sábado, 9 de maio de 2009

Mãe

Mãe é um ser humano igual aos outros. Com qualidades e defeitos. Para Freud, mais defeitos, pois seria a mãe a razão maior de vários de nossos problemas acumulados até a vida adulta, o que nos leva a deitar no divã quando tentamos nos entender um pouco melhor e exorcizar a influência da figura materna no nosso comportamento. Não duvido dessa teoria freudiana, mas, com todo o respeito ao grande psicanalista austríaco, no meu caso d. Eliza foi mais solução do que um problema.
Neste ano não pude estar com minha mãe na comemoração do dia dela. Não que ela dê muita importância ao fato ou que fique se queixando de minha ausência no Dia das Mães. Ao contrário, d. Eliza não é afeita a queixas. Nunca foi. E talvez o fato de guardar para si os seus problemas, dores, frustrações, sem compartilhá-los com suas filhas, para simplesmente nos resguardar do que ela chama "picuinhas de velha", seja admirável sim, embora eu reconheça nisso um altruísmo demasiado cruel para com ela mesma, abrindo caminho para o divã do doutor Freud. Mas d Eliza prefere compartilhar alegrias e não os dissabores.

Não sei se é a distância, se é o fato de eu estar mais velha, ou é só amor demais mesmo, o que sei é que a saudade bate muito forte. Tenho ganas de pegar um avião e visitá-la sempre. Adoro estar com d. Eliza, conversar, dar risadas com ela, ouvir suas observações sobre a vida, suas histórias de antigamente. Uma das mais deliciosas é a de quando ela montou na motocicleta de meu avô e, sozinha, saiu correndo pelas ruas empoeiradas da pequena Butiá, no interior do Rio Grande, desafiando a ira do pai (um austriaco austero e que não dava muita bola aos caprichos das filhas) só para mostrar a ele o quanto ela era boa naquela máquina e como podia aprender rapidamente as coisas, inclusive guiar um motociclo, tendo tomado uma única aula com um amigo, e sem meu avô saber. A traquinagem deu resultado, porque o velho Rudolf, que tinha a moto e nunca saíra com ela, nomeou minha mãe como a encarregada dos pagamentos aos funcionários dele nas minas de carvão, da qual era uma espécie de gerente. Assim, a jovem Elizabeth, aos 13 anos, era a única menina a andar de moto em Butiá, indo de casa em casa para pagar os mineiros em dinheiro vivo, poupando meu avô desse encargo. Foi desse jeito que ela ficou bastante popular e querida na cidade.
Quando Getúlio Vargas iniciou uma perseguição a alemães e austriacos no sul do País, durante a II Guerra, meu avô foi preso numa delegacia - simplesmente por ser austríaco - e ficou lá por alguns dias. Minha mãe, com 14 anos, foi a única entre as cinco irmãs a tomar a iniciativa de procurar o chefe do pai delas, um influente engenheiro das minas da região, implorando para que ele usasse de seu poder junto ao delegado local para que meu avô fosse libertado. Afinal, segundo minha mãe, seu pai não era nada mais do que um capataz de minas de carvão, um homem honesto, trabalhador, com uma familia para sustentar e nada a ver com política (o que era a mais pura verdade). O engenheiro, que conhecia meus avós há muito tempo, deu um jeito e tirou o Rudolf de lá.
E o que dizer do sacrifício enorme que foi para ela, uma senhora de 79 anos, cuidar de uma filha doente, tendo de preparar diariamente comidas especiais, às quais ela não estava acostumada, lavando dezenas, centenas de panelas, fazendo de tudo para tornar a vida da filha um pouco melhor? E sem nunca se queixar ou esboçar uma expressão de dor, mesmo sabendo o quanto aquilo tudo era difícil para elas. "Se for preciso, eu lavo um milhão de panelas", dizia ela quando a filha lamentava estar ocupando tanto a mãe.
São pequenos fatos como esse, dentre muitos outros (que não vou listar aqui para não cansar ninguém), que fizeram de minha mãe uma mulher de fibra e de coragem. Capaz de enfrentar os maiores obstáculos - e ela já teve tantos, só eu sei - sempre com garra, força e com uma palavra acolhedora e de fé. Quando olho para essa pequena mulher, com cabelinhos brancos, de passos curtos e ligeiros, ereta, sorridente, cheia de vida e disposta, resolvendo problemas dela e dos outros, tendo a iniciativa e vontade de viver como princípios, eu tenho o maior orgulho. E a noção nítida de que não existe melhor mãe neste mundo. Pelo menos para mim. Quero conviver muito tempo ainda com d. Eliza, continuar ouvindo suas histórias e dar muitas risadas. E sem precisar deitar no divã.

7 comentários:

Lorenzo Madrid disse...

Lindo. Parabéns à d. Eliza.

Anônimo disse...

linda mãe, afinal entendemos um pouco mais de tu. com uma mãe assim só podia dar babi.

beijos zeng

Barbara disse...

é sim, Zé. Mas sou filha coruja mesmo... beijão

Anônimo disse...

Querida!
Mãe é sempre maravilhosa!
Cada um com a sua...crescendo e aprendendo a amar mais e melhor.
Obrigada por compartilhar um pouquinho da história de Dona Eliza.
Eu que a conheço e admiro fico ainda mais feliz de ter o privilégio de ser uma "quase" filha...rsrsrsrs.
Abração Querida Amiga.
Jalilael

Barbara disse...

Oi querida, e minha mãe tbém te adora, vc sabe..beijos

marga disse...

Essa é a nossa mãe...nem todos tem a sorte que tivemos de ter uma mãe como essa. A educação que tivemos com ela fez de nós pessoas sensíveis, honestas e batalhadoras. Me orgulho muito de ter nascido nessa família, devo à ela tudo o que sou hoje e também do que pude passar para os meus filhos.
Hoje, novos tempos, novas famílias,novas formas de levar a vida, correrias do dia a dia... infelizmente não podemos dizer a mesma coisa com relação aos jovens de hoje. A família está se desgastando, não há tempo para as coisas do coração. As pessoas estão vivendo momentos de muita separação e isso certamente está mudando o jovem de hoje. O que buscamos par o adulto de amanhã? Nós te amamos dona Eliza e agradecemos por tudo o que fez por nós a vida toda. Gostaríamos que houvessem mais Elizas pelo mundo a fora. O mundo seria bem melhor, com muito menos violência.
Margarete Oliveira

Barbara disse...

POis é Garet, temos de agradecer todos os dias por essa mãe. Preciso, agora, recuperar o tempo perdido ficando mais perto dela, né?
beijos e eu tbem te amo.