Os festivais de música brasileira da década de 60 - organizados pela TV Record, Excelsior e, depois, Globo - eram uma válvula de escape para o povo naquele período da ditadura militar. Acho que, guardadas as proporções, esses festivais mobilizavam tanto as pessoas como, hoje, a Seleção Brasileira na Copa do Mundo, o reality Big Brother e um final de novela de Gilberto Braga.
Havia, nos festivais, uma atração à parte, além das músicas e artistas que pisavam no palco do teatro Excelsior. Era a vaia. Era quase uma instituição, as pessoas liberavam seus instintos mais baixos para vaiar uma música, um intérprete, um arranjo que foi alterado. Os cantores tinham verdadeiro pavor de participar do festival justamente por causa da virulência do público - mas não perdiam a oportunidade, porque era ali que as coisas aconteciam. Suas músicas poderiam sair consagradas daquele teatro - como aconteceu com Roda Viva; Alegria, Alegria; Domingo no Parque e Ponteio, clássicos da MPB hoje. Valia a pena arriscar e ouvir um úúúú.
Eu e minha família aguardávamos com ansiedade o dia da festival na tevê, fazíamos apostas com os amigos e vizinhos sobre quais canções tinham mais chance. Naquela época, o público não votava pelo telefone, então, a escolha era unicamente dos jurados (Sérgio Cabral,Salomão Schwartzman, Chico Anysio, gente de esquerda, de direita, a favor ou contra a guitarra, enfim, o júri era eclético), e o resultado a gente só saberia, é óbvio, na grande final, ao vivo. E que final, aquela de outubro de 1967!. A melhor de todas. Justamente a que ampliou a fama de Caetano, Chico, Gil, Edu Lobo, levou a irreverência dos Mutantes e suas guitarras ao sisudo teatro Paramount; colocou gola rolê e um casaco de tweed em Caetano; desmistificou o tal smooking preto dos demais cantores; tirou Gilberto Gil de uma crise de medo, estatelado no sofá, para levá-lo ao palco; fez Roberto Carlos, o rei da Jovem Guarda, cantar um sambinha; viu Elis Regina ser classificada como melhor intérprete, e ainda assistiu, boquiaberto, Sergio Ricardo atirar seu violão no público que o vaiava insistentemente, ou por ele ter mudado o arranjo ou porque "Beto, Bom de Bola" era ruim mesmo.
Todas essas imagens antológicas de 43 anos atrás, vistas e revistas ao longo dos anos em videotapes, não cansam nossas retinas e estão documentadas no filme "Uma noite ëm 67", de Renato Terra e Ricardo Calil, em cartaz desde o fim de semana passado. Mas, o que o documentário traz de saboroso são as entrevistas feitas nos bastidores com os jovens artistas nos seus verdes 20 anos, prestes a entrar no palco ou momentos depois de terem saído, no calor das vaias e aplausos. Entrevistas feitas por Cidinha Campos e Randal Juliano, dois conhecidos jornalistas dos anos 60/70 e cujas perguntas são tão curiosas quanto as respostas. Vale, também, o ponto de vista de cada um dos artistas, 40 anos depois. Não fossem as imagens de arquivo tão icônicas, seriam essas entrevistas o principal apelo do documentário. Deu vontade de viver tudo outra vez, mas sem a ditadura por trás.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
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2 comentários:
Que belas recordações voce me traz. Eu vivi ao vivo quase todas essas coisa que voce decreve. Inimaginável hoje pensar que eu aos quatorze anos estava no Teatro Record da Consolação, levado pelas mãos do Marcos Lazaro, amigo do meu pai, quando a Banda ganhou de Disparada e o Chico se recusou a aceitar o premio porque achava a musica do Vandré melhor... Foi uma batalha nos bastidores para se chegar ao veredito do empate...
Nos vts que ainda existem, pode-se ver o Marcos Lazaro na coxia em varias tomadas. Eu estava mais ao fundo e ainda não me achei em nenhuma delas.
Foi um evento muito especial e mesmo os grandes festivais da globo, nunca chegaram aos pes daquele.
Participei e asssiti ao vivo, vários outros festivais. Tive até musica minha correndo e sendo selecionada, mas se compara a aquela noite fantástica.
Vc teve mais sorte do que eu, então, ver ao vivo tudo isso 'deve ter sido emocionante. Recomendo o filme, então, mesmo q vc consiga baixar alguns anos depois, pq filmes brasileiros, vc sabe, não costumam ficam online.bjs
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