sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pequenos prazeres


Qual a hora do dia que nos dá mais prazer? E qual o dia da semana que a gente mais festeja? Fico me perguntando isso quando estou lotada de trabalho numa quarta ou quinta-feira, louca para a semana acabar e chegar a tarde de sexta-feira, justamente agora enquanto escrevo essas linhas. A tarde de sexta, depois de eu ter entregue todos os meus frilas para o jornal e quando começo a me programar para o fim de semana de preguiça, lazer, almoços prolongados com amigos ou com a minha família, é um dos momentos mais aguardados da semana.
E o que dizer dos sábados, então? Adoro os sábados, especialmente as manhãs de um dia ensolarado, quando as feiras livres são montadas em muitos bairros, as pessoas se aglomeram na banca do pastel. Gosto de ver aquele burburinho nas ruas antes das 2h da tarde, com as lojas ainda abertas, as pessoas comprando, vendo vitrines, indo a supermercados.... Mesmo não acordando cedo nos fins de semana, gosto de saber que o sábado está lá fora, alegre, movimentado, antecipando os preparatidos para a chegada do domingo, este sim meio chato, lento, preguiçoso e vazio, talvez porque a gente já se prepare para a segunda-feira e tenha medo de ouvir alguma tevê ligada com os berros do Faustão. Credo!
E enquanto a semana corre, mesmo atolada de trabalho, deu para abrir uma janela e conquistar um grande momento diário. A hora da soneca depois do almoço. Um luxo! Principalmente para quem trabalha e vive em cidades grandes. Mas um luxo a que me entrego há poucos anos, desde 2005, quando fiquei em Porto Alegre e fui encorajada a desfrutar da sesta como rotina. Hábito de quem morou no interior. Quando era criança, meus pais tiravam um cochilo após o almoço e impunham a mim e à minha irmã a mesma rotina. Só que a gente não queria saber de dormir, queríamos era brincar na rua com as amiguinhas. Mas quando estávamos de castigo, e isso não era raro acontecer, éramos obrigadas a seguir o ritual da soneca. Butiá era uma cidade pequena (ainda é) e não se tinha muita coisa pra fazer depois do almoço. Acho que a cidade inteira dormia naquele horário, porque lembro daquele silêncio enorme que preenchia as ruas e se instalava em nossas casas; das tardes ensolaradas, quentes ou geladas, tudo parado. Às vezes, ouvia o zumbido de alguma abelha no nosso pátio. Eram horas mortas, pelo menos para nós elas estavam mortinhas. Se era um sacrificio para mim, quando criança, seguir o ritual da sesta, hoje usufruo dele com grande prazer, e isso só é possível porque hoje trabalho em casa e tenho uma vida mais tranquila. Sonhava com isso quando estava no jornal. Deito por 30 minutos, e mesmo sem ouvir as abelhas e sim o ronco das motocicletas e dos motores dos carros lá fora, os caminhões de lixo do hotel ao lado ou o barulho de alguma obra em andamento, eu me entrego a esse momento e nada me perturba, tudo parece ficar parado. É uma hora morta, mas que me mantém bem viva para o resto do dia.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tempo

Como enfrentar a corrida do tempo se a semana, com seus sete dias, passa galopando como se fossem apenas 48 horas?

sábado, 9 de maio de 2009

Mãe

Mãe é um ser humano igual aos outros. Com qualidades e defeitos. Para Freud, mais defeitos, pois seria a mãe a razão maior de vários de nossos problemas acumulados até a vida adulta, o que nos leva a deitar no divã quando tentamos nos entender um pouco melhor e exorcizar a influência da figura materna no nosso comportamento. Não duvido dessa teoria freudiana, mas, com todo o respeito ao grande psicanalista austríaco, no meu caso d. Eliza foi mais solução do que um problema.
Neste ano não pude estar com minha mãe na comemoração do dia dela. Não que ela dê muita importância ao fato ou que fique se queixando de minha ausência no Dia das Mães. Ao contrário, d. Eliza não é afeita a queixas. Nunca foi. E talvez o fato de guardar para si os seus problemas, dores, frustrações, sem compartilhá-los com suas filhas, para simplesmente nos resguardar do que ela chama "picuinhas de velha", seja admirável sim, embora eu reconheça nisso um altruísmo demasiado cruel para com ela mesma, abrindo caminho para o divã do doutor Freud. Mas d Eliza prefere compartilhar alegrias e não os dissabores.

Não sei se é a distância, se é o fato de eu estar mais velha, ou é só amor demais mesmo, o que sei é que a saudade bate muito forte. Tenho ganas de pegar um avião e visitá-la sempre. Adoro estar com d. Eliza, conversar, dar risadas com ela, ouvir suas observações sobre a vida, suas histórias de antigamente. Uma das mais deliciosas é a de quando ela montou na motocicleta de meu avô e, sozinha, saiu correndo pelas ruas empoeiradas da pequena Butiá, no interior do Rio Grande, desafiando a ira do pai (um austriaco austero e que não dava muita bola aos caprichos das filhas) só para mostrar a ele o quanto ela era boa naquela máquina e como podia aprender rapidamente as coisas, inclusive guiar um motociclo, tendo tomado uma única aula com um amigo, e sem meu avô saber. A traquinagem deu resultado, porque o velho Rudolf, que tinha a moto e nunca saíra com ela, nomeou minha mãe como a encarregada dos pagamentos aos funcionários dele nas minas de carvão, da qual era uma espécie de gerente. Assim, a jovem Elizabeth, aos 13 anos, era a única menina a andar de moto em Butiá, indo de casa em casa para pagar os mineiros em dinheiro vivo, poupando meu avô desse encargo. Foi desse jeito que ela ficou bastante popular e querida na cidade.
Quando Getúlio Vargas iniciou uma perseguição a alemães e austriacos no sul do País, durante a II Guerra, meu avô foi preso numa delegacia - simplesmente por ser austríaco - e ficou lá por alguns dias. Minha mãe, com 14 anos, foi a única entre as cinco irmãs a tomar a iniciativa de procurar o chefe do pai delas, um influente engenheiro das minas da região, implorando para que ele usasse de seu poder junto ao delegado local para que meu avô fosse libertado. Afinal, segundo minha mãe, seu pai não era nada mais do que um capataz de minas de carvão, um homem honesto, trabalhador, com uma familia para sustentar e nada a ver com política (o que era a mais pura verdade). O engenheiro, que conhecia meus avós há muito tempo, deu um jeito e tirou o Rudolf de lá.
E o que dizer do sacrifício enorme que foi para ela, uma senhora de 79 anos, cuidar de uma filha doente, tendo de preparar diariamente comidas especiais, às quais ela não estava acostumada, lavando dezenas, centenas de panelas, fazendo de tudo para tornar a vida da filha um pouco melhor? E sem nunca se queixar ou esboçar uma expressão de dor, mesmo sabendo o quanto aquilo tudo era difícil para elas. "Se for preciso, eu lavo um milhão de panelas", dizia ela quando a filha lamentava estar ocupando tanto a mãe.
São pequenos fatos como esse, dentre muitos outros (que não vou listar aqui para não cansar ninguém), que fizeram de minha mãe uma mulher de fibra e de coragem. Capaz de enfrentar os maiores obstáculos - e ela já teve tantos, só eu sei - sempre com garra, força e com uma palavra acolhedora e de fé. Quando olho para essa pequena mulher, com cabelinhos brancos, de passos curtos e ligeiros, ereta, sorridente, cheia de vida e disposta, resolvendo problemas dela e dos outros, tendo a iniciativa e vontade de viver como princípios, eu tenho o maior orgulho. E a noção nítida de que não existe melhor mãe neste mundo. Pelo menos para mim. Quero conviver muito tempo ainda com d. Eliza, continuar ouvindo suas histórias e dar muitas risadas. E sem precisar deitar no divã.