terça-feira, 21 de abril de 2009

Balé nas alturas


Em agosto de 1974, 27 anos antes de um grupo terrorista ter abatido o World Trade Center, um jovem idealista francês, Philippe Petit, conseguiu realizar seu sonho. O equilibrista, que se sentia mais feliz em cima de uma corda bamba, nas alturas, do que na segurança do asfalto do chão, subiu até o centésimo segundo andar dos prédios e, com a ajuda de alguns malucos como ele, atravessou o vão que separava os dois edifícios em cima de um cabo de aço. Brincou em cima dele, fez várias vezes o mesmo percurso, sentou, deitou, e finalmente foi pego por incrédulos policiais.
Philippe viveu parte de sua vida a planejar o feito da corda bamba mais alta do mundo (até então). Esperou pacientemente pela construção das torres e, nesse meio tempo, se equilibrou em outros pontos turísticos como a catedral de Note Dame, em Paris, e a Harbour Bridge, de Sidney. O documentário O Equilibrista (Man on Wire), vencedor de vários prêmios em festivais de cinema, inclusive o Oscar de melhor filme do gênero neste ano, relata justamente a preparação desse meticuloso e corajoso plano do francês rebelde. É emocionante ver o jeito que ele arranjou para se divertir e, ao mesmo tempo, oferecer um presente aos nova-iorquinos: um homem solitário, lá nas nuvens, se equilibrando num fio de aço de 60 metros de comprimento, a 400 metros de altura, num balé de 45 minutos. A vida, para Philippe, só vale a pena se for vivida desse modo. Quem sabe ele tem razão?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Outono

O outono em Porto Alegre é tão bonito! Seus dias são cálidos e as noites frescas. O calor do sol nos dá uma sensação de prazer quando penetra no corpo. Sua luz radiante se derrama sobre o rio e se espalha pela cidade, quase toda horizontal, permitindo que a claridade entre em todos os cantinhos e deixe-a ainda mais luminosa. Olhando para esse céu azulzinho cor de anil e essa luz laranja não dá vontade de sair daqui. Até breve Porto Alegre. Sei que quando voltar, o céu continuará da cor do céu, e suas luas serão brancas, mas o frio já terá chegado e as noites cairão mais cedo. Esperarei pela primavera, então.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

supérfluo

A empresária Roselani D'Ávila, aos 47 anos, é bonita, tem cabelos louros e o sorriso mostra seus dentes brancos e bem tratados. O quadro da sala de seu elegante apartamento é uma fotografia de um momento feliz: Roselani e o marido Flávio sorriem. Novo Hamburgo, cidadezinha dos arredores de Porto Alegre, onde mora Roselani, é lotada de indústrias do setor calçadista, boa parte das fábricas exportam seus modelos "made in Brazil". São calçados exclusivos e quase nunca encontrados em lojas brasileiras, porque são feitos exclusivamenta para o mercado externo, com níveis de exigências diferentes dos nossos. Mas o mundo entrou em crise profunda, e os norte-americanos, canadenses e parte da comunidade européia acharam que sapato passou a ser supérfluo e deixaram de comprar os nossos modelos. Pelo menos por enquanto. Novo Hamburgo e as cidades vizinhas do complexo industrial passaram a sofrer o revés da crise. Fábricas começaram a fechar, a demitir operários, as dívidas se acumulam. A empresa de Roselani estava devendo a esta altura dos acontecimentos mais de R$ 2 milhões, segundo li nos jornais locais de Porto Alegre.
Roselani acordou na terça-feira passada disposta a acabar com todos esses problemas financeiros que iriam "prejudicar toda a sua família". Poucos minutos antes do relógio despertar - às 5h30 da manhã - Roselani levantou, foi até a cozinha, pegou uma faca e matou o marido ainda dormindo. Ela deixou ele ali e seguiu seu rumo como se fosse mais um dia normal, como todos os outros. Mas não era. Almoçou com a sobrinha Maria Francisca, de 6 anos, e perguntou à irmã Rosângela se podia dormir na casa dela naquela noite. Talvez não quisesse se deitar ao lado de um cadáver. Perto das 4h da madrugada de quarta-feira, quase 24 horas depois de ter esfaqueado o marido, ela levantou, foi até a cozinha da casa da irmã, pegou uma faca e atingiu mortalmente Rosângela, ainda em sono profundo. A sobrinha em pânico tentou fugir, mas foi em vão. Roselani tinha uma dívida de R$ 180 mil com a irmã. E quitou ali mesmo o que devia. Tentou se matar depois dessa tragédia, mas não conseguiu impor a si mesma a força da faca que desferiu nos seus três familiares.
Deixou uma longa carta explicando os homicídios, falou a certa altura que "amava demais o marido para para vê-lo sofrer", que via sua irmã "infeliz"com as dívidas da familia e que a sobrinha seria "poupada de um sofrimento no futuro".
Ainda não existe motivação clara para a barbaridade, a não ser o que está escrito nas cartas e no depoimento ainda confuso de Roselani. A delegada, que ouviu a empresária enquanto ela se recuperava dos ferimentos no hospital municipal de Novo Hamburgo, relatou que Roselani sofria de depressão e consultara um psiquiatra para iniciar um tratamento. O médico recomendou sua internação, mas aparentemente ela não estava muito disposta a seguir a recomendação médica e teria dito que cometera os homicídios para evitar que seus familiares a internassem. Além do fato macabro de ter matado marido, irmã e sobrinha, e de ter escrito 10 cartas endereçadas à mãe, irmão e outros familiares tentando explicar o inexplicável, o que chama atenção é a firme intenção de Roselani, em uma das cartas, de querer ir atrás também da mãe para "livrá-la do sofrimento".
Triste a história de Roselani, para quem a vida não vale mais nada, talvez até menos que os sapatos que fabricava e que se tornaram supérfluos para o mundo.