terça-feira, 22 de julho de 2008

De Amor e Trevas

Terminei de ler há algum tempo, mas recomendo fortemente De Amor e Trevas, de Amós Oz. Um livro destinado a quem quer, se interessa ou precisa entender um pouco sobre a saga do povo judeu, sob o ponto de vista de um de seus orgulhosos descendentes. É uma autobiografia, com retoques romanceados, de um dos maiores escritores contemporâneos, narrada com prosa fluida, sensível e intensa sobre seus ancestrais russos e poloneses obrigados a encontrarem um destino incerto e árido na terra prometida, durante os horrores da segunda guerra mundial. A infância meio solitária do menino Amós Klausner foi cercada de livros e de gente adulta, severa mas muito erudita. O que o salvou da depressão foram os livros e o kibutz, eu acho.
É sempre bom ver o ponto de vista de um judeu pacifista sobre a questão milenar envolvendo seu povo e os palestinos. De Amor e Trevas, de Amós Oz, é uma obra perfeita para se começar a extirpar preconceitos anti-semitas e ainda presentes em muitos corações e mentes. O livro traz um número incansável de datas, eventos, nomes de familiares e gente ilustre de Israel, e se o leitor sublimar esse fato (eu gosto, mas tem gente que não) e deixar o glossário de significados de palavras e de alguns símbolos judaicos para ler no final, vai adorar.
Tive a felicidade de assistir ao debate entre Amós Oz e a escritora sul-africana Nadine Gordimer, durante a Festa Literária de 2007, em Paraty. Os dois autores falaram sobre o papel da literatura no resgate da humanidade permeada pela injustiça. Nada mais apropriado para os dias de hoje.

sábado, 19 de julho de 2008

Os freaks




O filme estreou ontem no Brasil. Eu já corri para vê-lo nesta sexta às 22h30. Saí do cinema depois da 1h da manhã, exausta por causa de um dia cheio, com excesso de trabalho, visitas em casa e noite mal dormida. Mas tive a sensação de que foi o melhor Batman de todos os já vistos na telona! Tá bom, teve a série do Tim Burton...é uma difícil escolha.

Mas Cristopher Nolan conseguiu uma densidade tão grande nos três personagens principais da história (Batman, Coringa e o promotor Dent/Duas Caras) que não tive dúvidas. Este é o melhor para mim. COnversei hoje de manhã com um menino da locadora onde alugo DVDs, ele é um estudioso de HQs e cinéfilo. Concordou comigo. "Sim, tem os do Tim Burton, mas e daí? Esse superou". Fiquei mais tranqüila, afinal não sou nenhuma especialista em histórias do homem-morcego e nem em HQs, mas gosto de cinema.

O peso de ser um herói anônimo - ou seria um vilão ao provocar mortes de inocentes às custas de sua identidade teimosamente secreta? - martiriza Bruce Wayne. Ele tem crises de consciência, está mais humano e até apaixonado (por Maggie Gyllenhaal, a juíza).
A personalidade satânica e teatral de Coringa, um freak cheio de humor e ironia, é a própria representação do mal e do caos. Impressiona. Heath Ledger, aliás, rouba a cena, é um ator sensacional com as melhores falas do filme. Sua atuação é carregada de simbolismo por causa da morte prematura. É estranho ver um vilão tão cruel, tão sagaz e tão vivo na pele de um ator já morto. E que grande ator Hollywood perdeu.
Aaron Eckhart, como o promotor Dent e depois Duas Caras, é uma das três melhores coisas do filme. Sua virada de bom moço apaixonado para a vilania carregada de rancor e desejo de vingança é um toque de mestre de Nolan.
Três freaks em evidência, três freaks em confronto, três freaks dando show.
É um filme para ser assistido com prazer, sem falar no elenco de apoio de primeira. Afinal, não é qualquer diretor que consegue Michael Caine, Morgan Freeman e Gary Oldman (sempre ótimo) como coadjuvantes. Depois da era Burton, começamos a era Nolan. Que venha o terceiro, embora seja árdua a tarefa de superar esse segundo Batman.

domingo, 13 de julho de 2008

Bye bye Floripa

Estou em processo de mudança. De Florianópolis para São Paulo. Retorno à metrópole, depois de quatro anos e meio morando numa ilha linda, ensolarada, de ar puro, céu azul, inverno ameno e pouco úmido para os padrões do lugar, sem violência, sem estresse, com distâncias curtas entre minha casa e o médico, o Pilates, o supermercado, o banco, o shopping, os amigos, o restaurante a quilo, os cinemas. Faço quase tudo a pé. Mas é uma cidade pequena demais para mim. Infelizmente, porque quando escolhi Floripa para morar, tinha este sonho de viver num lugar menor, com pouca gente na rua e onde todos se conhecem e se cumprimentam. Além disso, tinha
o mar, montanhas, ar limpo e era um lugar onde eu poderia sair sem medo e sem achar que havia um suspeito em cada esquina querendo me assaltar. Sempre sonhei com aquelas vilas do interior da França. Será que seria bom viver num lugar assim?
Eu estava meio estressada em São Paulo em 2003, com todas aquelas pessoas esbarrando em mim quando eu saía de meu prédio, carros para todos os lados, trânsito infernal, poluição, barulho, calor no inverno e chuva demais no verão. Só queria ver o mar e viver num lugar em que pudesse desfrutar melhor meus dias, depois de 30 anos dentro de redação de jornais. Bom, depois desses 4 anos e meio, vi que não era bem assim. A cidade tem tudo o que acalentei em sonhos. Mas não guarda o essencial: vida. As ruas são vazias demais. À noite, são desertas. Uma vez saindo do cinema perto de minha casa, num sábado, lá pelas 22h, eu devo ter contado umas três pessoas andando pela minha rua nas nove quadras do percurso até meu prédio. Foi aí que entendi o real significado da palavra solidão. Achava São Paulo um lugar para solitários, e é mesmo, mas pelo menos lá existe gente na rua. Aqui, elas estão aonde? Não estão, porque é um lugar com 400 mil habitantes na sua região metropolitana, mas o centro da ilha, onde eu moro, deve abrigar uns 150 mil apenas. O resto se espalha pelo continente e pelas praias, a 20, 30, 40 km daqui. Portanto, se todos têm seus carros, eles não caminham, dirigem. Uma vez, estava num lugar chamado Lynwood, pertinho de Seattle, na costa oeste dos Estados Unidos, e tive sensação parecida. Não via pessoas na rua, elas estavam dentro dos carros ou dos shoppings. Eu caminhei quadras e quadras para arrumar um táxi ou tomar um ônibus para ir até a cidade, e perguntava nos postos de gasolina, nos cafés que, porventura encontrava, onde poderia tomar uma condução, e todos me olhavam como se eu fosse um ET, porque eu não estava de carro! Sensação estranha.
Além do fato de exorcizar essa idéia de querer morar em lugares pequenos e com aparente qualidade de vida (a qualidade e a vida nem sempre estão juntas), a melhor coisa que me aconteceu em Floripa foi ter convivido com o meu afilhado Gabriel nos melhores anos da infância dele: dos 3 aos 8 anos. É um amor recíproco. Nos amamos profundamente. Eu, ele e a família dele sabemos disso. Estamos tristes com a separação física, mas minha ausência ele vai superar rapidamente porque está entrando numa idade interessante, a pré-adolescência, e isso, sabemos, provoca outros interesses. Certamente eu sentirei mais falta dele. Também fiz bons amigos por aqui. Poucos, mas de qualidade, quase todos forasteiros como eu. Bye bye Floripa, agora só venho te visitar, e vilas francesas, essas nem pensar! Eu não me mudo mais para cidades com menos de 3 milhões de habitantes!
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E agora estou entrando naquele pique de encaixotar coisas. Isso é a parte chata.
Confesso que sinto inveja das pessoas que não vêem empecilhos em sair para uma nova casa, uma cidade nova, ou para um outro país. Daquelas cujo empacotamento de coisas pessoais é prazeroso, embora cansativo. E daqueles cujas mudanças anuais ou de dois em dois anos viram uma rotina, e elas nem ligam ou perdem o sono pensando no que levar, deixar, doar ou inutilizar. Para mim, isso ainda é um processo penoso. O bom é que vou despojada de quase tudo. Só levando meus livros, discos, roupas e o computador. Mochila semelhante levei para São Paulo, aos 30 e poucos anos, quando saí de Porto Alegre.
Só que aos 30 existia uma grande expectativa com a cidade grande, um futuro. Agora, aos 50 e poucos, o que eu carrego é o passado e as lembranças.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Soy Cuba

Sei que não é muito, mas é um número redondo. Completo hoje 100 posts nesse blog! A preguiça, a falta de inspiração e de tempo têm me impedido de ser mais assídua. Não prometo nada, mas juro que adoraria atualizar com mais frequência (a trema não entra, mas como ela vai acabar mesmo...) este espaço. Vou tentar...
Enquanto isto, para quem perdeu no cinema ou já ouviu falar e não prestou muita atenção, corra até as locadoras para alugar Soy Cuba, O Mamute Siberiano, documentário dirigido pelo brasileiro Vicente Ferraz (e bem comentado quando foi lançado no Brasil em 2006). O filme aborda a realização do antológico filme Soy Cuba, dirigido pelo soviético Mikhail Kalatozov para homenagear a revolução cubana que acabara e acontecer dois anos antes. O diretor liderou uma equipe de 200 pessoas - uma co-produção entre russos e o governo cubano - e levou 14 meses para rodar e finalizar a película. Há momentos antológicos, especialmente a primeira cena de um enterro de um estudante morto pelo governo de Fulgêncio Batista, uma das cenas mais longas já vistas nas telas e sem cortes, o que para a época e para as condições do país era uma epopéia. Em P&B, o filme evocado no documentário de Ferraz é filmado sob a lente poética de Kalatozov, mas obedecendo ao dogma do realismo soviético, com cenas longas, silenciosas, em meio tons (a iluminação é um assunto à parte). Me lembrei de Rosselini e Antonioni, mas também de Murnau.
O documentário (de 2005) buscou em Cuba e na Rússia as pessoas que participaram do filme, seus iluminadores, maquinistas, atores, câmeras (o diretor e o roteirista já morreram), mais de 40 anos depois. E o mais irônico é que quando o filme estreou, na época, não entusiasmou nem russos nem cubanos (as culturas eslava e caribenha não tinham nada a ver uma com a outra, era o argumento dos seus críticos). E não serviu nem como arma para propaganda da revolução fora dos trópicos e muito menos como obra de arte. Foi considerado enfadonho e longo demais. Bem, não vou contar tudo, senão perde a graça. O fato é que depois de guardado por mais de 30 anos nos arquivos do instituto de cinema de Cuba (ICAIC) foi descoberto por Martins Scorsese e por Francis Ford Coppola. Bom, aí vocês já imaginaram o que deve ter acontecido.

Van Gogh aos 7


"Na realidade, eu estou pensando em ser artista, tipo Van Gogh ou Picasso, então não importa se eu tirei 6 em matemática no mês passado. E a média era 5, eu ainda estou acima dela". Essa foi a frase que ouvi ontem de meu perspicaz e precoce afilhado Gabriel - fofo, maravilhoso, lindo e inteligente - de 7 anos, cuja grande paixão são os lápis de cor, as tintas, um bloco em branco, alguns pedaços de arames, fitas, papelão, cola e tudo o que possa ajudá-lo na armação de uma "obra de arte", atividade na qual ele se empenha com entusiasmo, sempre. Eu mesma já ganhei várias dessas "obras" e as guardo, claro, com o orgulho de madrinha. Estávamos preocupados - eu e os pais dele - com as notas recentes na escola, um 10 em artes, outro em criatividade, outro 10 em enriquecimento pessoal, 9 em ciências, mas apenas 6 em matemática e um português escrito ainda capenga, embora o falado seja perfeito e com um vocabulário riquíssimo. Agora, a tarefa e fazer com que o menino leia mais - tem vários livros - e, pelo menos no português, ele flua melhor na escrita, pois com pai e madrinha jornalistas não há frustração maior do que ver o pequeno tropeçando no L e no U (trocando letras) em algumas palavras.
Mas quando ouço ele me dizer coisas como: "adoro essa tesoura (de cozinha, para cortar aves), ela tem um desenho futurista que dá vontade de desenhar" , eu já sei que o futuro dele pode passar bem longe da redação de um jornal. Ainda bem. A arte o inspira, que o pequeno Gabriel siga os passos que a sua intuição e o talento lhe reservam no futuro, descobrindo não só Van Gogh, Picasso ou Monet, mas os nossos Iberê, Volpi, Malfatti, Aldemir Martins, Tarsila, Varejão, Tunga, Leonilson, Valtércio. Sem abandonar os números e as letras, claro.