domingo, 8 de novembro de 2009

Saudade

Foram duas semanas intensas. Nunca pensei que uma pessoa pudesse acumular tantos afazeres ao mesmo tempo, e eu consegui. Me sinto vitoriosa. A saída do flat para o novo apartamento, a chegada da mudança de Florianópolis (faltando coisas), a visita de muitas pessoas queridas na mesma semana em São Paulo para eventos, cursos, passeios, a mostra do cinema, exames médicos a caminho, trabalho, muito trabalho, e eu sem internet por sete dias, coisa que quase me enloqueceu, Mulher à beira de um ataque de nervos. Será que havia alguma conjunção de júpiter com algum saturno brabo? sei lá, não entendo muito disso, mas alguma revolução estava a caminho e não me sentia muito preparada para ela. Mas enfrentei-a com todas as minhas forças.

Agora todos se foram. Estranha sensação de vazio. Sinto falta de uma pessoinha. Quando subo para o apartamento agora à noite, domingo, ouço a voz dele ecoando pelos aposentos, seu gritos no computador quando marcava alguns pontos no videogame. A tevê ainda está ligada no mesmo programa que ele estava assistindo antes de ir embora. Como uma pessoa pode nos preencher tanto e, segundos depois, só nos deixar o vazio? E o esforço que fazemos para que essa presença se prolongue o máximo possível, mesmo sabendo que, fisicamente, essa pessoa já está bem longe dali? E não faz nem 20 minutos que Gabriel se foi. Quando ele me abraçou agora há pouco, antes de entrar no táxi com a mãe, me disse baixinho: já estou com saudades de ti. Meu coração ficou pequeninho porque eu também sentia o mesmo. Agora é esperar para que o vazio seja preenchido de novo em Floripa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Philip Roth

Um novo livro de um de meus autores preferidos, Philip Roth, The Humbling, foi lançado nos Estados Unidos. A novela conta a história de um ator talentoso e muito elogiado, com 60 e poucos anos, que sofre um bloqueio e descobre que, ao chegar no palco, não consegue mais representar. Ou seja, a pior coisa que pode acontecer para um ator. Roth mantém, de novo, seus fantasmas rondando por aí.
Com 76 anos, o autor está mais produtivo do que nunca. Explicável, porque o tempo é curto quando se chega aos 70, e nós, seus fãs, saímos ganhando. Mas será que essa voracidade por escrever um livro por ano é porque ele também teme um bloqueio? Como ele diz não acreditar no depois, só no agora, dá pra entender essa pressa.
Para quem tiver curiosidade de saber mais um pouco sobre Roth, que é introspectivo, mora no interior, não escreve e nem lê e-mails, e não acha que a experiência judaica seja tema de seus livros (embora ela permeie todos os seus romances), indico dois bons links.
Um com uma recente entrevista em vídeo dada a uma jornalista americana para o blog The Daily Beast. Aqui ele fala do novo livro (um outro está a caminho, Nemesis), sua rotina de trabalho e medos.
http://www.thedailybeast.com/blogs-and-stories/2009-10-21/philip-roth-unbound/


O outro post bacana é uma entrevista dada à jornalista Lúcia Guimarães, em Nova York, em junho passado
http://www.cafecolombo.com.br/2009/06/14/lucia-guimaraes-entrevista-philip-roth/

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tarantino voltou!


"Bastardos Inglórios", do Tarantino, pra mim, é o melhor filme do ano. Bem, a Mostra de cinema só começa na semana que vem, aí veremos.
A gente pensa que ele já fez o melhor com Cães de Aluguel, Pulp Fiction ou Kill Bill, mas continua nos surpreendendo. Desta vez, ele foi longe demais. Nos deixou atônitos. "Bastardos..." é amparado num elenco de primeira, com destaques para o alemão Christoph Walz no papel de caçador de judeus (simplesmente sensacional), e Brad Pitt, o caçador de nazistas (em mais uma de suas hilárias atuações, com sotaque caipira sulista dos Estados Unidos, e codinome Apache - por causa dos escalpos que impõe as suas presas alemãs). Os dois - e os vários e ótimos atores escolhidos a dedo - fazem duelos frequentes, como nos antigos faroestes de John Wayne e do velho Clint, recheados de diálogos afiados, claro. Não dá pra perder nada, o texto não é coadjuvante, é fundamental para a graça do filme. A música não podia ser diferente, dialoga fluentemente com o clima da trama, com clássicos de Ennio Morricone que embalavam os westerns. A história (ou fábula) é contada em capítulos, e se concentra nos últimos anos da II Guerra Mundial, em território francês ocupado pelos nazistas. E é cheia de gente ruim - ali ninguém é mocinho - , e no meio do sangue e violência, outra característica nas películas de Tarantino, sobra espaço para o humor (negro), óbvio, outro presente do cineasta para seus fãs. Só Tarantino (ou, talvez, os irmãos Coen) para fazer uma cena em que se come uma apfelstrudel com creme parecer tão tensa a ponto de o espectador ter a sensação de uma arma estar sendo apontada para ele. As pessoas gemem no cinema!
E o gran finale, então (não vou contar, claro), indiscutivelmente, uma das idéias mais originais do cinema, e que só um gênio como ele poderia ter tido: uma legítima vingança dos judeus contra os seus algozes nazistas.
Tarantino, só não quero esperar mais 4 anos para ver outra de suas genialidades na tela.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Dietas



Gosto de ver tevê. Especialmente alguns programas e seriados dos canais pagos. Não tenho muita paciência para os programas da rede aberta, porque, para mim, fazem valer a antiga máxima de que a televisão emburrece. Com exceção dos telejornais e uma ou outra novelinha global (especialmente se for do Gilberto Braga), ou minisséries mais apuradas (Som & Fúria, por exemplo, foi ótima), acho tudo chato e nada é capaz de me prender por mais de 20 minutos. Nos canais pagos, a conversa é outra. Documentários, filmes (mesmo algumas reprises), jornalísticos, e, principalmente, os seriados (Brothers & Sisters, the Office, The Tudors, Mad Man) são capazes de me segurar no sofá por horas.
Mas, nem mesmo os canais fechados fogem de coisas irritantes, pelo menos para mim. Aqueles programas dedicados à saúde, nos quais médicos, nutricionistas e especialistas dão aquelas entrevistas "preciosas"dizendo o quanto comemos porcaria e o quanto deveríamos nos dedicar a uma alimentação mais "saudável"(e sem graça), enumerando item por item o que pode nos matar e o que pode nos assegurar uns 5 anos a mais no fim da vida. Ora bolas. Tudo isso a gente sabe. E, depois, já somos pessoas vivendo no limite e cheias de culpa, reduzindo ao máximo nossos prazeres à mesa, tudo isso para conseguirmos chegar a uma certa idade sem tantos problemas de câncer, pressão alta, obesidade, diabetes, osteoporose.
Será que eu gostaria de ter aqueles 5 anos a mais depois dos 80 (sim, porque aos 80 as pessoas chegam fácil hoje em dia) só comendo granola, tofu e bolinho de soja?
Um especialista em digestão e adepto da dieta higienista, aquela que combina alimentos saudáveis - e crus - para o bom funcionamento do organismo, deu uma entrevista um dia desses na GNT. Confesso, apesar do radicalismo do entrevistado, achei que poderia assistir a tudo sem ficar irritada. Por exemplo, ele falou sobre a postura das pessoas ao comer. Nunca devemos fazer as refeições de pé e sim sentados, para que o estômago descanse. Tudo bem. Enumerou cinco alimentos indispensáveis na alimentação saudável dos brasileiros: banana, tomate, alface (escura), feijão e aipim (mandioca). Ótimo, temos tudo isso aqui. E, como não podia deixar de ser, relatou os cinco proibidos para todos: vinagre, açúcar, sal, carne vermelha e café. Sim, tudo o que a gente gosta. Até mesmo daquele prazer inigualável do cafezinho após o almoço eles estão se apropriando. Pensei que os médicos já tinham tirado o café do limbo, assim como fizeram com o ovo. É por isso que essas dietas acabam caindo no descrédito e deixando a gente bem furiosa.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

twitter, blogs e jornalismo


Tenho ouvido falar muito sobre a morte da tevê, provocada pela internet e por seus serviços online de vídeo (You Tube, Hulu, e outros). Ou, pelo menos, na mudança do jeito que as pessoas assistem tevê hoje, sentadas, esperando seu programa começar. Isso parece estar mudando realmente. Estamos na era da interatividade, o espaço virtual quer contracenar com o real. Todo o mundo "precisa"ter uma opinião, deseja aparecer num vídeo, na tela grande ou pequena, participar de reality shows ou de alguma coisa que nem elas sabem bem o que é.
Ouço, também, prognósticos nada otimistas para os blogs, que seriam engolidos pelo fenômeto Twitter, sob a alegação de que ninguém mais tem tempo de ler textos enormes numa tela de computador e, ainda mais, de gente anônima.
Numa época em o instante online chama mais a atenção do que um bloco de notas impresso ou brilhando na tela de nossos dispositivos digitais, o microblog de 140 caracteres é o dono do ciberespaço. O Twitter se transformou num repositório de frases (muitas, criativas), opiniões, pensamentos, dicas valiosas ou puro besteirol de spammers chatos, se reproduzindo na internet a cada segundo. Não nego o seu valor, trata-se de mais uma das tantas fontes de informação das quais dispomos atualmente, se usado com parcimônia e sem nos transformar em vítimas, inclusive do marketing invasivo das empresas.
Em defesa dos blogs, penso que sempre haverá gente querendo expandir sua reflexão para além de duas linhas e saber que existirão alguns leitores para compartilhar essas idéias, memórias, fatos cotidianos e informações. Mesmo que isso comece aprisionado no twitter.
Não tenho bola de cristal para saber o futuro, mas lembro que nos anos 60 se falava muito que a televisão ia matar o cinema, as pessoas não iriam mais sair de casa para ir ao teatro, etc... E isso não aconteceu. Os tempos eram outros. Não havia internet, nem computador, nem conteúdos ricos como os que dispomos hoje. No entanto, com toda essa revolução digital, ainda tem muita gente sentindo necessidade de ler jornal durante o café da manhã. Para mim, um dos grandes prazeres do dia. Tudo é questão de hábito, de curiosidade, e de saber dividir bem o tempo.

Esses dias um amigo me perguntou se nós, jornalistas, não estaríamos ameaçados com tanta informação pulando na nossa tela minuto a minuto e sendo escrita por gente de todas as profissões, bastando estar no lugar certo e na hora certa. Aí, eu lembrei do Andrew Keen, o polêmico escritor e jornalista britânico, crítico contumaz da Web 2.0, da sua interatividade, de conteúdos levianos postados diariamente, do caos da informação inútil que, na sua opinião, são empecilhos à cultura de qualidade. Em entrevista recente a um programa de tevê, Keen disse que um bom jornalista de hoje precisa ter duas qualidades: a óbvia curiosidade natural e ... o domínio da tecnologia. Ou seja, quem não tiver isso estará fora. Acho que, desta vez, concordei com ele.

sábado, 15 de agosto de 2009

Sem fumaça

Uma amiga - feliz com a nova lei antifumo em São Paulo - decidiu que agora poderia voltar a sair à noite, frequentar casas noturnas, bares e festas em lugares fechados (e públicos), sem sair de lá como um toucinho defumado. A primeira experiênciade de sua renovada vida noturna, e sem fumaça, aconteceu na semana passada, quando foi a um barzinho com outros amigos fumantes na Vila Madalena. De repente, notou que o lugar começou a esvaziar, e que até seus amigos começaram a sair de mansinho para dar umas baforadas lá fora, longe dos toldos ou das faixas amarelas proibitivas. Quando se deu conta, essa amiga estava sozinha na mesa e com uns poucos gatos pingados dentro do bar. Bebia, solitariamente, um chopp, já sem espuma. Por uns 20 minutos ficou ali, sentada, quieta, sem ninguém para conversar. Sequer tinha levado um jornal, um livro, uma revista para aguentar aquela espera. Mas quem leva isso para um bar? Só se for em Paris, mas era a Vila Madalena. Minha amiga percebeu que o burburinho, a festa, as pessoas e os papos interessantes estavam lá fora. E que a lei que proibiu o cigarro nos lugares fechados tornou esses ambientes menos alegres, barulhentos e sem fumaça. Pelo menos do lado de dentro.

domingo, 9 de agosto de 2009

Agosto em Roma

Quem viaja pela Europa no verão já sabe que em agosto algumas cidades ficam um pouco às moscas por causa das férias. Alguns restaurantes e serviços (sapateiros, lavanderias) deixam de funcionar por semanas, lojas de bairros fecham e até feirantes não abrem suas bancas de frutas, verduras e peixes. As pessoas aproveitam o calor para viajar para o interior ou para a praia. Em agosto, no dia 15, os italianos também festejam um feriado bem famoso entre eles, o Ferragosto que celebra a Assunção da Virgem Maria, mas que na época do Império Romano era comemorardo durante todo o mês em honra ao primeiro imperador Augusto e à deusa mitológica Diana.
Se em agosto as cidades italianas já ficam meio vazias, imaginem num dia santo bem no meio do mês (dia 15). Aí mesmo que pouca coisa acontece, mesmo em Roma. E é nesse modorrento e cálido feriado prolongado que a rotina de um sujeito de meia-idade, solteiro, endividado, vivendo com a mãe idosa - mas ainda bem esperta - muda completamente no filme Almoço em Agosto. A direção é de Gianni de Gregório, o protagonista do mesmo nome. Ele é também um dos roteiristas do premiado Gomorra, sobre a máfia napolitana.
Almoço
é uma delicada homenagem à velhice, que nos faz rir (no meu caso, muito) e refletir sobre a condição dos idosos, mas sem recorrer à pieguice ou à tristeza. Ele nos mostra o quanto nós, filhos, podemos ser infantis e até idiotas com o excesso de zêlo dedicado aos nossos pais (no caso, as mães viúvas) e, com isso, tornar a vida deles um inferno em meio a tantas regras, remédios e limites, ceifando seus desejos mais simples e a sua alegria de viver. Atire a primeira pedra quem não teve um momento de Gianni na vida.
O ponto alto do filme é a coleção de quatro velhinhas que Gianni chamou para contracenar, nenhuma delas com qualquer experiência na arte de atuar, mas sinceras e verdadeiras no seu papel de mães e tias de qualquer família, seja ela italiana, brasileira, romena, cristã ou judia.
Gianni deve ter se divertido muito ao lado daquelas senhoras com quem passou o feriado dentro do apartamento: uma delas faz a sua vaidosa e claudicante mãe, a outra é a ótima cozinheira de pastas; também vem para ficar a mãe de médico que a obriga a comer só verduras e a se entupir de remédios, quando ela gostaria mesmo era comer um bom salame, e, para completar o quarteto das vovós, a fogosa e inquieta Grazia, mãe do síndico do prédio, que só precisa dar uma escapadinha para ser feliz. O solteirão Gianni vira babá das quatro naquele quente feriado italiano. E elas não lhe dão sossego, porque são saudáveis, têm inquietações e desejo de viver.
A vida de Gianni certamente muda depois dessa lufada de vento que entra pela janela de sua varanda romana.


domingo, 26 de julho de 2009

Xô chuva e frio

Nesses dias sombrios, frios e chuvosos em São Paulo, me dou conta do quanto sou uma pessoa solar. Não, não é um auto-elogio, eu não sou uma pessoa alegre 100% do tempo (talvez nem 50%), ou daquele tipo de gente que se diz feliz das 8h da manhã até a hora de deitar, e está sempre sorrindo sem saber a razão. Digo solar no sentido mais prosaico mesmo, pela necessidade atávica de ter aquele calorzinho do sol acariciando minha pele, de olhar o céu azul (quando ele está limpo e claro por aqui) e agradecer por estar viva nesse momento. É só disso que preciso para me sentir melhor.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Até breve Istambul







Saudades de Istambul, de seus aromas, sabores, cores e ruídos. De sua tradição e modernidade. De seus dois mares, o Negro e o Mármara; do lado ocidental e europeu sendo levado para a outra margem oriental por barcos e pontes. Do estreito de Bósforo e do Chifre de Ouro; Cidade de Bizâncio e Constantinopla; de capital do Império Romano ao Otomano. Das suas mesquitas, igrejas, templos e sinagogas. Dos palácios do sultanato aos hamamis (banhos turcos); dos tapetes coloridos aos Bysmillas (símbolo de proteção e sorte); dos kebabs de carneiro aos doces Baklava de pistache e amêndoas; do forte café turco ao chá de romã; da alegria dos homens de narguilé às lindas e tímidas mulheres vestindo véus; dos modernos tramways de superfície aos nostálgicos bondes vermelhos. Da Mesquita Azul à Basílica de Hagia Sofia. Do Grande Bazar de jóias, tapetes, panos e artesanato ao mercado egípcio de especiarias sem fim. Istambul de ruas estreitas e antigas, com suas casinhas otomanas de madeira, às avenidas amplas e modernas do bairro Taksim. Dos palácios do sultanato, de suas colinas arborizadas e de seus terraços com vista para o Mármara. Sağol Istambul, Görüşürüz (Obrigada e até breve).

sábado, 4 de julho de 2009

Teatro

No West End, em Londres, Hamlet - com Jude Law, Judi Dench e Kenneth Branagh. Precisa mais?

Cenas do verão europeu...



As cerejas e as bicicletas são itens típicos do verão parisiense

Cores e sabores

Framboesas, amoras, mirtilos e morangos: cores e sabores

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Jackson, fatos & férias


Se eu tivesse entrado na internet ou ficasse na frente de uma tevê naquela tarde quente e ensolada de quinta-feira, dia 26 de junho, eu teria sabido da morte de Michael Jackson pouco tempo depois de ela ter ocorrido em sua casa na Califórnia. Como estava em curtas férias, achei melhor percorrer o Bósforo de barco, visitar o palácio Topkapi, tirar algumas fotos, e tentar encontrar o endereço de uma casa de banhos turcos de Istambul. Até tentei ver jornais turcos, mas quem entende aquela língua? Aprendi algumas palavras e descobri que o % eles colocam na frente e não depois dos números. O fato é que fui surpreendida com a informação da morte de Jackson só 24 horas depois, uma eternidade nos dias de hoje. E foi também por acaso, pois, já em Paris, entrei numa banca só para comprar o Cinemascope (guia das sessões de cinema) e dar uma olhada nas manchetes. Os jornais gritavam para mim! Estava tão cansada da viagem e tão furiosa com os taxistas parisienses (eles me obrigaram a arrastar minha mala até o hotel por considerarem que 3 km era uma distância pequena demais para eles me levarem) que mal pude entender se aquilo que estava lendo nas primeiras páginas era verdade ou fruto de uma mente exausta e incapaz de distinguir o fato da imaginação. Duas linhas no alto da página e uma foto do "rei do pop" no Le Figaro foram suficientes para eu avaliar o peso da notícia que havia ignorado por 24 longas horas. Comprei vários jornais e, como uma espécie de punição, li todas as matérias até tarde já no quarto do hotel.
Enquanto escrevo este post, lembro de alguns fatos importantes que, por alguma razão, escolheram minhas férias para acontecer. Às vezes, eles estão tão próximos que nem posso ignorá-los. Foi o caso da queda do ditador da Hungria, em 1988, Janos Kadar, já nos estertores da era soviético-comunista. Como eu não conseguia teclar em máquinas de escrever húngaras a fim de mandar um relato ao jornal sobre a comoção popular em Budapeste, tive de seguir para Londres, escrever a matéria e enviar para o JB por...telex! Eram tempos jurássicos e sem internet.
Antes, em outubro de 1982, estava na Espanha quando o partido social-democrata de Felipe Gonzalez (o PSOE) venceu as primeiras e históricas eleições livres, iniciando a democratização do país após um longo período franquista. Participei da festa nas ruas de Madri e, com prazer, interrompi meu descanso para redigir um um texto em colaboração com o correspondente local, já que por sorte estava hospedada na casa de espanhóis, um deles fotógrafo da agência Efe, que me municiaram de informações preciosas sobre o que acontecia na Espanha naquele momento. Ainda em outubro daquele ano, o papa João Paulo II esteve no país para uma de suas incontáveis peregrinações pelo mundo, e eu continuava lá. Desta vez, o jornal tinha um aparato grande na cobertura e eu fui deixada em paz.
Em 1995, estava em Nova York com amigos, quando um judeu ortodoxo matou o premier israelense Yitzhak Rabin. Em dezembro de 2007, durante as festas de fim de ano, me refestelava numa praia uruguaia ao mesmo tempo em que a ex-primeira ministra paquistanesa Benazir Bhutto era assassinada perto de Islamabad. Agora, o pobre Michael Jackson. São apenas coincidências, e sei que não importa a mais ninguém a não ser para mim mesma conservar essas lembranças de férias conectadas a algum fato importante. Será que o fantasma do Forrest Gump me persegue?

domingo, 14 de junho de 2009

Sobras

Urina e álcool tomam conta da Paulista e ruas adjancentes horas depois da realização da Parada do Orgulho Gay. Será que a prefeitura não podia dar um banho na área central da cidade ? Uma festa desse tamanho não pode ficar só com esse rescaldo.
A propósito, achei a parada meio caída neste ano. Cheguei às 2h da tarde na Augusta para almoçar com amigos. Às 3h30 saímos do restaurante e os carros de som já tinham passado. O que deu pra ver foi uma multidão desordenada andando pela Paulista em direção à Consolação, assim meio meio sem rumo, meio sem roupa, quase desmontada, em busca de algo no local da dispersão, perdendo boás e outros apetrechos menos nobres pelo chão. (Guzik achou mais coisas que eu pelo caminho). Ficou uma sensação de que perdemos uma parada com 3 milhões de pessoas enquanto comíamos um tutu à mineira... foi rápido.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pai nosso

Será que alguém conhece a missa da igreja São Luiz, ali na Paulista? Todos os domingos, ou quase todos, passo ali na frente e ouço uma música tocando lá fora, transmitida pelas caixas amplificadoras. Num domingo desses fiquei curiosa e entrei. Era a missa das 19h. Fiquei pasma. Mudou tudo! Está tudo interativo, como se fosse um Orkut religioso, onde as pessoas criam uma comunidade, interagem, se beijam e se dão as mãos na hora do Pai Nosso, cantam as músicas (de onde elas surgiram?), acompanhando as letras no telão (sim, tem um telão com letras garrafais para que também os ruins de vista como eu possa ler as canções sem precisar recorrer aos óculos). A banda, no altar, não pode ser mais desafinada. Tem uma cena (oops) em que as pessoas CANTAM um Pai Nosso de mãos dadas. A letra é diferente da reza falada, eu não consegui acompanhar, perdi o fio da meada. Ainda bem que, depois, a oração é entoada do jeito tradicional... eu precisava de algum ponto de identificação com as antigas missas que costumava frequentar quando era bem jovem. Mas o fato de termos de rezar de mãos dadas com gente que nunca vimos na vida, e depois nos aproximarmos das pessoas que estão do lado, atrás e na nossa frente para lhes desejar paz ou um namastê qualquer, torna tudo muito íntimo, sem que eu queira realmente participar dessa intimidade da comunidade religiosa dos Jardins.
Enfim, consegui acompanhar a missa até o final por aquele jornalzinho que eles dão no início, e que serviu para eu ter um mínimo de noção sobre o que estava ocorrendo ao longo da celebração.
Cantar eu até cantei, rezar eu rezei, dei as mãos, interagi ao máximo com quem estava ao meu lado (pena que não era um bonitão). Mas deixei de fazer duas coisas: não dei dinheiro para a riquíssima igreja católica e nem comunguei. Acho que o simples ato de entrar numa igreja, participar de uma missa e cantar um Pai Nosso com as mãos erguidas não me redimiu de todos os meus pecados.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pequenos prazeres


Qual a hora do dia que nos dá mais prazer? E qual o dia da semana que a gente mais festeja? Fico me perguntando isso quando estou lotada de trabalho numa quarta ou quinta-feira, louca para a semana acabar e chegar a tarde de sexta-feira, justamente agora enquanto escrevo essas linhas. A tarde de sexta, depois de eu ter entregue todos os meus frilas para o jornal e quando começo a me programar para o fim de semana de preguiça, lazer, almoços prolongados com amigos ou com a minha família, é um dos momentos mais aguardados da semana.
E o que dizer dos sábados, então? Adoro os sábados, especialmente as manhãs de um dia ensolarado, quando as feiras livres são montadas em muitos bairros, as pessoas se aglomeram na banca do pastel. Gosto de ver aquele burburinho nas ruas antes das 2h da tarde, com as lojas ainda abertas, as pessoas comprando, vendo vitrines, indo a supermercados.... Mesmo não acordando cedo nos fins de semana, gosto de saber que o sábado está lá fora, alegre, movimentado, antecipando os preparatidos para a chegada do domingo, este sim meio chato, lento, preguiçoso e vazio, talvez porque a gente já se prepare para a segunda-feira e tenha medo de ouvir alguma tevê ligada com os berros do Faustão. Credo!
E enquanto a semana corre, mesmo atolada de trabalho, deu para abrir uma janela e conquistar um grande momento diário. A hora da soneca depois do almoço. Um luxo! Principalmente para quem trabalha e vive em cidades grandes. Mas um luxo a que me entrego há poucos anos, desde 2005, quando fiquei em Porto Alegre e fui encorajada a desfrutar da sesta como rotina. Hábito de quem morou no interior. Quando era criança, meus pais tiravam um cochilo após o almoço e impunham a mim e à minha irmã a mesma rotina. Só que a gente não queria saber de dormir, queríamos era brincar na rua com as amiguinhas. Mas quando estávamos de castigo, e isso não era raro acontecer, éramos obrigadas a seguir o ritual da soneca. Butiá era uma cidade pequena (ainda é) e não se tinha muita coisa pra fazer depois do almoço. Acho que a cidade inteira dormia naquele horário, porque lembro daquele silêncio enorme que preenchia as ruas e se instalava em nossas casas; das tardes ensolaradas, quentes ou geladas, tudo parado. Às vezes, ouvia o zumbido de alguma abelha no nosso pátio. Eram horas mortas, pelo menos para nós elas estavam mortinhas. Se era um sacrificio para mim, quando criança, seguir o ritual da sesta, hoje usufruo dele com grande prazer, e isso só é possível porque hoje trabalho em casa e tenho uma vida mais tranquila. Sonhava com isso quando estava no jornal. Deito por 30 minutos, e mesmo sem ouvir as abelhas e sim o ronco das motocicletas e dos motores dos carros lá fora, os caminhões de lixo do hotel ao lado ou o barulho de alguma obra em andamento, eu me entrego a esse momento e nada me perturba, tudo parece ficar parado. É uma hora morta, mas que me mantém bem viva para o resto do dia.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tempo

Como enfrentar a corrida do tempo se a semana, com seus sete dias, passa galopando como se fossem apenas 48 horas?

sábado, 9 de maio de 2009

Mãe

Mãe é um ser humano igual aos outros. Com qualidades e defeitos. Para Freud, mais defeitos, pois seria a mãe a razão maior de vários de nossos problemas acumulados até a vida adulta, o que nos leva a deitar no divã quando tentamos nos entender um pouco melhor e exorcizar a influência da figura materna no nosso comportamento. Não duvido dessa teoria freudiana, mas, com todo o respeito ao grande psicanalista austríaco, no meu caso d. Eliza foi mais solução do que um problema.
Neste ano não pude estar com minha mãe na comemoração do dia dela. Não que ela dê muita importância ao fato ou que fique se queixando de minha ausência no Dia das Mães. Ao contrário, d. Eliza não é afeita a queixas. Nunca foi. E talvez o fato de guardar para si os seus problemas, dores, frustrações, sem compartilhá-los com suas filhas, para simplesmente nos resguardar do que ela chama "picuinhas de velha", seja admirável sim, embora eu reconheça nisso um altruísmo demasiado cruel para com ela mesma, abrindo caminho para o divã do doutor Freud. Mas d Eliza prefere compartilhar alegrias e não os dissabores.

Não sei se é a distância, se é o fato de eu estar mais velha, ou é só amor demais mesmo, o que sei é que a saudade bate muito forte. Tenho ganas de pegar um avião e visitá-la sempre. Adoro estar com d. Eliza, conversar, dar risadas com ela, ouvir suas observações sobre a vida, suas histórias de antigamente. Uma das mais deliciosas é a de quando ela montou na motocicleta de meu avô e, sozinha, saiu correndo pelas ruas empoeiradas da pequena Butiá, no interior do Rio Grande, desafiando a ira do pai (um austriaco austero e que não dava muita bola aos caprichos das filhas) só para mostrar a ele o quanto ela era boa naquela máquina e como podia aprender rapidamente as coisas, inclusive guiar um motociclo, tendo tomado uma única aula com um amigo, e sem meu avô saber. A traquinagem deu resultado, porque o velho Rudolf, que tinha a moto e nunca saíra com ela, nomeou minha mãe como a encarregada dos pagamentos aos funcionários dele nas minas de carvão, da qual era uma espécie de gerente. Assim, a jovem Elizabeth, aos 13 anos, era a única menina a andar de moto em Butiá, indo de casa em casa para pagar os mineiros em dinheiro vivo, poupando meu avô desse encargo. Foi desse jeito que ela ficou bastante popular e querida na cidade.
Quando Getúlio Vargas iniciou uma perseguição a alemães e austriacos no sul do País, durante a II Guerra, meu avô foi preso numa delegacia - simplesmente por ser austríaco - e ficou lá por alguns dias. Minha mãe, com 14 anos, foi a única entre as cinco irmãs a tomar a iniciativa de procurar o chefe do pai delas, um influente engenheiro das minas da região, implorando para que ele usasse de seu poder junto ao delegado local para que meu avô fosse libertado. Afinal, segundo minha mãe, seu pai não era nada mais do que um capataz de minas de carvão, um homem honesto, trabalhador, com uma familia para sustentar e nada a ver com política (o que era a mais pura verdade). O engenheiro, que conhecia meus avós há muito tempo, deu um jeito e tirou o Rudolf de lá.
E o que dizer do sacrifício enorme que foi para ela, uma senhora de 79 anos, cuidar de uma filha doente, tendo de preparar diariamente comidas especiais, às quais ela não estava acostumada, lavando dezenas, centenas de panelas, fazendo de tudo para tornar a vida da filha um pouco melhor? E sem nunca se queixar ou esboçar uma expressão de dor, mesmo sabendo o quanto aquilo tudo era difícil para elas. "Se for preciso, eu lavo um milhão de panelas", dizia ela quando a filha lamentava estar ocupando tanto a mãe.
São pequenos fatos como esse, dentre muitos outros (que não vou listar aqui para não cansar ninguém), que fizeram de minha mãe uma mulher de fibra e de coragem. Capaz de enfrentar os maiores obstáculos - e ela já teve tantos, só eu sei - sempre com garra, força e com uma palavra acolhedora e de fé. Quando olho para essa pequena mulher, com cabelinhos brancos, de passos curtos e ligeiros, ereta, sorridente, cheia de vida e disposta, resolvendo problemas dela e dos outros, tendo a iniciativa e vontade de viver como princípios, eu tenho o maior orgulho. E a noção nítida de que não existe melhor mãe neste mundo. Pelo menos para mim. Quero conviver muito tempo ainda com d. Eliza, continuar ouvindo suas histórias e dar muitas risadas. E sem precisar deitar no divã.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Balé nas alturas


Em agosto de 1974, 27 anos antes de um grupo terrorista ter abatido o World Trade Center, um jovem idealista francês, Philippe Petit, conseguiu realizar seu sonho. O equilibrista, que se sentia mais feliz em cima de uma corda bamba, nas alturas, do que na segurança do asfalto do chão, subiu até o centésimo segundo andar dos prédios e, com a ajuda de alguns malucos como ele, atravessou o vão que separava os dois edifícios em cima de um cabo de aço. Brincou em cima dele, fez várias vezes o mesmo percurso, sentou, deitou, e finalmente foi pego por incrédulos policiais.
Philippe viveu parte de sua vida a planejar o feito da corda bamba mais alta do mundo (até então). Esperou pacientemente pela construção das torres e, nesse meio tempo, se equilibrou em outros pontos turísticos como a catedral de Note Dame, em Paris, e a Harbour Bridge, de Sidney. O documentário O Equilibrista (Man on Wire), vencedor de vários prêmios em festivais de cinema, inclusive o Oscar de melhor filme do gênero neste ano, relata justamente a preparação desse meticuloso e corajoso plano do francês rebelde. É emocionante ver o jeito que ele arranjou para se divertir e, ao mesmo tempo, oferecer um presente aos nova-iorquinos: um homem solitário, lá nas nuvens, se equilibrando num fio de aço de 60 metros de comprimento, a 400 metros de altura, num balé de 45 minutos. A vida, para Philippe, só vale a pena se for vivida desse modo. Quem sabe ele tem razão?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Outono

O outono em Porto Alegre é tão bonito! Seus dias são cálidos e as noites frescas. O calor do sol nos dá uma sensação de prazer quando penetra no corpo. Sua luz radiante se derrama sobre o rio e se espalha pela cidade, quase toda horizontal, permitindo que a claridade entre em todos os cantinhos e deixe-a ainda mais luminosa. Olhando para esse céu azulzinho cor de anil e essa luz laranja não dá vontade de sair daqui. Até breve Porto Alegre. Sei que quando voltar, o céu continuará da cor do céu, e suas luas serão brancas, mas o frio já terá chegado e as noites cairão mais cedo. Esperarei pela primavera, então.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

supérfluo

A empresária Roselani D'Ávila, aos 47 anos, é bonita, tem cabelos louros e o sorriso mostra seus dentes brancos e bem tratados. O quadro da sala de seu elegante apartamento é uma fotografia de um momento feliz: Roselani e o marido Flávio sorriem. Novo Hamburgo, cidadezinha dos arredores de Porto Alegre, onde mora Roselani, é lotada de indústrias do setor calçadista, boa parte das fábricas exportam seus modelos "made in Brazil". São calçados exclusivos e quase nunca encontrados em lojas brasileiras, porque são feitos exclusivamenta para o mercado externo, com níveis de exigências diferentes dos nossos. Mas o mundo entrou em crise profunda, e os norte-americanos, canadenses e parte da comunidade européia acharam que sapato passou a ser supérfluo e deixaram de comprar os nossos modelos. Pelo menos por enquanto. Novo Hamburgo e as cidades vizinhas do complexo industrial passaram a sofrer o revés da crise. Fábricas começaram a fechar, a demitir operários, as dívidas se acumulam. A empresa de Roselani estava devendo a esta altura dos acontecimentos mais de R$ 2 milhões, segundo li nos jornais locais de Porto Alegre.
Roselani acordou na terça-feira passada disposta a acabar com todos esses problemas financeiros que iriam "prejudicar toda a sua família". Poucos minutos antes do relógio despertar - às 5h30 da manhã - Roselani levantou, foi até a cozinha, pegou uma faca e matou o marido ainda dormindo. Ela deixou ele ali e seguiu seu rumo como se fosse mais um dia normal, como todos os outros. Mas não era. Almoçou com a sobrinha Maria Francisca, de 6 anos, e perguntou à irmã Rosângela se podia dormir na casa dela naquela noite. Talvez não quisesse se deitar ao lado de um cadáver. Perto das 4h da madrugada de quarta-feira, quase 24 horas depois de ter esfaqueado o marido, ela levantou, foi até a cozinha da casa da irmã, pegou uma faca e atingiu mortalmente Rosângela, ainda em sono profundo. A sobrinha em pânico tentou fugir, mas foi em vão. Roselani tinha uma dívida de R$ 180 mil com a irmã. E quitou ali mesmo o que devia. Tentou se matar depois dessa tragédia, mas não conseguiu impor a si mesma a força da faca que desferiu nos seus três familiares.
Deixou uma longa carta explicando os homicídios, falou a certa altura que "amava demais o marido para para vê-lo sofrer", que via sua irmã "infeliz"com as dívidas da familia e que a sobrinha seria "poupada de um sofrimento no futuro".
Ainda não existe motivação clara para a barbaridade, a não ser o que está escrito nas cartas e no depoimento ainda confuso de Roselani. A delegada, que ouviu a empresária enquanto ela se recuperava dos ferimentos no hospital municipal de Novo Hamburgo, relatou que Roselani sofria de depressão e consultara um psiquiatra para iniciar um tratamento. O médico recomendou sua internação, mas aparentemente ela não estava muito disposta a seguir a recomendação médica e teria dito que cometera os homicídios para evitar que seus familiares a internassem. Além do fato macabro de ter matado marido, irmã e sobrinha, e de ter escrito 10 cartas endereçadas à mãe, irmão e outros familiares tentando explicar o inexplicável, o que chama atenção é a firme intenção de Roselani, em uma das cartas, de querer ir atrás também da mãe para "livrá-la do sofrimento".
Triste a história de Roselani, para quem a vida não vale mais nada, talvez até menos que os sapatos que fabricava e que se tornaram supérfluos para o mundo.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Simples assim

Hoje, 20 de março de 2009. Estou há seis meses e 20 dias em Sáo Paulo em busca de um apartamento, que ainda não consegui encontrar. Moro num flat. Sem meus preciosos livros, sem meus discos, sem minha cozinha, minha cama e meu armário. Básico. Eu sei que a gente não precisa de muito para viver. Sou a prova disso há sete meses. E é graças ao despojamento que me impus há algum tempo (de uns anos para cá) é que tenho conseguido sobreviver sem maiores lamentações, crises ou arrependimento. No máximo um palavrão, quando o barulho da área de serviço do Hotel Renaissance me acorda às 6h da manhã, com seu ir e vir de garrafas, tonéis de lixo e gente limpando janelas, ou quando o vizinho do quarto ao lado abre o chuveiro durante 25 minutos e um barulho semelhante a uma sirene explode diretamente no meu ouvido.
Entendo que o mundo mudou e as pessoas também precisam mudar para se adaptar a uma vida nova, mais simples, limitando seu consumismo desvairado e abrindo mão de grandes espaços que fazem falta a famílias grandes e não a uma pessoa que mora sozinha. Não só porque estamos em crise, mas porque a simplicidade é a porta aberta para valorizarmos o que realmente importa: o caráter das pessoas, as amizades sinceras, a família, as artes ( e uma viagenzinha de vez em quando, porque ninguém é de ferro). Coisas são coisas, nada mais do que isso, sem vida e por isso sem importância.
Mas confesso que espero poder sair daqui algum dia, em breve, se possível, para que eu e meu despojamento tenhamos mais espaço para conviver.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Gabriel

Pérolas da sabedoria infantil (a autoria é de meu afilhado Gabriel, de 8 anos)

"Você sabia que a crise chegou também ao Habbo Hotel? Os bônus que eles davam pra gente diminuíram. Não sei onde isso vai parar."

p.s. - Habbo Hotel é um hotel virtual onde as crianças criam avatares e participam de várias brincadeiras com outros amiguinhos. Conforme vão jogando, ganham bônus.
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"Deus é muito injusto mesmo. Por que ele dá a vida e depois tira?"
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Gabriel chegou em casa muito triste esses dias e perguntou à mãe dele por que ele iria morrer em 2012, quando teria apenas 12 anos. "Sou muito jovem pra morrer"
A preocupação tinha uma origem. Ele vira uma dessas profecias bestas, que aparecem em programas de tevê, anunciando que o mundo acabaria em 2012!!

Criança não filtra, só absorve.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Previsões, crise, humor

Temos ouvido falar muito na crise global. Não só no noticiário massacrante dos jornais, tevê, internet, rádio, cujo assunto é dominante desde o ano passado. Agora, o assunto pegou pra valer nas filas do cinema, no ônibus, no supermercado, nos restaurantes, entre amigos. O tema é frequente e começa a ficar preocupante porque pode mudar o humor das pessoas. Ontem vi um desses programas de mesa-redonda com analistas, economistas e jornalistas emitindo todas aquelas opiniões e previsões que a gente já está cansado de ouvir e sabe que dificilmente se cumprirão (sobre a duração da crise, quando ela vai arrefecer, quem são os maiores culpados, o que vem de pior por aí, blablablá). Um deles comentou que esteve recentemente em Nova York e percebeu um clima muito pesado. Sim, é inverno em NY, as pessoas já estão menos sorridentes por causa do frio, mas não é isso que as deprime neste momento. É a crise!
Disse o economista: " Fazia tempo que não via tanta gente deprimida nas ruas. E a razão principal a gente sabe qual é".
Bom, por aqui ainda não dá para visualizar concretamente rostos sorumbáticos e testas mais vincadas por causa do débâcle mundial provocada pelos tais títulos podres americanos. Mas não estamos imunes, como já pudemos ver com a sequencia de demissões em massa no setor industrial e queda nas vendas do comércio. Será que nossos pensamentos já dedicam parte - mesmo ínfima - do dia a elocubrar como vai ser o ano para nós? Se sobreviveremos em nossos empregos até julho, dezembro, 2010? As pessoas estão mais comedidas nas compras e os restaurantes experimentam poucas filas, até mesmo nos domingos. Percebi isso outro dia, num lugar que costuma encher de famílias das 13h às 15h no fim-de-semana. Quando estive lá com uma amiga, nesse horário, havia várias mesas disponíveis. Péssimo, diriam os pessimistas.
Não sei até que ponto esse momentum turbulento mundial vai afetar nosso humor daqui pra frente - o dos brasileiros - mas, ontem, fiquei muito irritada com o que ouvi de dois estudantes da USP (talvez antropólogos, pelo tom da conversa) numa fila de cinema. Um deles tinha visto O Ensaio sobre a Cegueira e estava comentando que aquele cenário, de pessoas nas ruas andando como zumbis e à procura de algo para comer, não é nada fantasioso diante dessa crise. "Não é um cenário irreal, teremos em muitos paises guerras civis e gente se matando por comida. Você vai ver só!", falou, convicto, um deles. Cruzes!! Eu saí dali correndo depois de ter comprado meu ingresso. Queria me livrar daquele baixo astral que grudava nas minhas costas. Só espero que todas essas previsões horrorosas estejam longe da verdade e não estraguem o meu (nosso) humor.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Del Toro, Che e os cubanos exilados...

"Che" vai estrear em março por aqui. A história dedicada ao argentino que dividiu as glórias da revolução cubana com Fidel Castro é dirigida por Steven Soderbergh. Mas, antes, sugiro às pessoas darem uma passadinha do YouTube pra conferir a entrevista com um constrangido, patético e mal preparado Benício del Toro - que vive o personagem de Che no filme - à jornalista Marlen Gonzalez, de uma tevê local de Miami. Ela é descendente de cubanos exilados nos Estados Unidos, o que explica a fúria com que trata o ator, como se ele próprio fosse o guerrilheiro. Chegou a comparar Che a Hitler. Bom, vale a pena ver o vídeo e tirar suas conclusões. Para Marlen e aos que desaprovaram o filme por ele retratar Che Guevara de forma muito favorável, Soderbergh tem uma resposta pronta (e relatada pela Folha quando da estréia em Cannes, em maio do ano passado): "Conheço bem a argumentação dos que são anti-Che e sei que qualquer quantidade de barbaridades que incluíssemos nesse filme não seria suficiente para satisfazê-los".
http://www.youtube.com/watch?v=IZGTV6FbBXM

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Dias felizes

"Foi tudo um Sonho", "O Leitor", "Ninho Vazio", "Dúvida"' - esses foram os quatro últimos filmes que assisti em menos de uma semana, e a cada vez que as luzes do cinema eram acesas eu me sentia paralisada, sem vontade alguma de sair daquela cadeira e encarar o mundo lá fora, porque sabia que ele poderia ser mais ou menos igual ao que eu vira na tela. Não sou uma pessoa pessimista. Até encaro a vida com um certo humor, e quem me conhece sabe disso. Mas esses filmes são tristes porque mostram uma imagem nada colorida da realidade e de como o ser humano pode ser cruel com os outros e, principalmente, com ele mesmo. A intolerância, a culpa, a frustração de sonhos não realizados, a rotina da vida, o cansaço dela. Temas vigorosos desses quatro roteiros com finais nada felizes e que nos fazem refletir sobre o que fazer para não acabar como alguns daqueles personagens. Me senti pesada com essa overdose de futuro sem futuro. Lembrei da Winnie em Dias Felizes, de Beckett, que vai se afundando num buraco (tempo e espaço ?) numa espera vã de que algo aconteça, embora só a cabeça esteja de fora, e, doce ironia, para ela ver os dias correndo sempre iguais.
Quis exorcizar esses cotidianos infelizes jogados na tela e que teimavam em me infernizar. Fui procurar uma boa comédia para me tirar daquele buraco de areia. E, para minha surpresa, nem precisei sair de casa para encontrar o riso. Um canal pago estava reprisando"Um convidado bem trapalhão", do grande Blake Edwards. O filme mostra um Peter Sellers em plena forma nos anos 60, no papel de um indiano, convidado para uma festa onde deu tudo errado. Poucas palavras e muitas atrapalhadas, ao estilo Jacques Tati. É de rolar de rir a cena do banheiro, onde Sellers desenrola todo o papel higiênico e, distraidamente, destrava a caixa da descarga provocando uma inundação. Entre muitas outras situações hilariantes, é decisiva a participação de um garçom que vai ficando bêbado durante a festa provocando mais tumulto ainda. Meu fim-de-semana foi salvo, e espero manter essa reserva de alegria por bastante tempo e manter meus dias felizes.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

pausa

work in progress... volto já!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um táxi para o inferno

Eu ia escrever hoje sobre o filme Um Táxi para a Escuridão, documentário de Alex Gibney, cujo pano de fundo é a prisão de um taxista afegão pelos militares norte-americanos na base aérea de Bagram (no Afeganistão). Ele morre quatro dias depois por causa das torturas praticadas pelos oficiais norte-americanos. Detalhe: o taxista era inocente e não teve nada a ver com o 11/9. O filme trata justamente desses "enganos" cometidos pelo governo de Bush e Dick Cheney no Afeganistão, no Iraque (na prisão de Abu-Ghraib, alguém consegue esquecer aquelas imagens da oficial empunhando uma coleira presa ao pescoço de um prisioneiro, como se fosse um cachorro?) e em Guantánamo (Cuba). O documentário não fala somente dos inocentes presos nessas instalações (que eles chamam de "facilities", que ironia...) e que estão sem julgameno até hoje. Aborda principalmente as torturas praticadas nessas facilities desde 2002, e com o aval do governo Bush, em nome da segurança dos americanos. Além das fotos dos prisioneiros, o que mais choca são os relatos dos oficiais envolvidos nas torturas a mando de seus superiores.
Eu ia falar muito mais sobre esse filme, sobre a indignação que toma conta da gente a cada cena, principalmente porque são atos praticados pelo país que vive enaltecendo sua democracia e seu senso de justiça aos quatro ventos. Mas meu amigo Alberto Guzik, critico admirável, já postou um comentário sobre ele para nos fazer pensar. http://os.dias.e.as.horas.zip.net/no seu blog.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A posse

Barack Hussein Obama, negro, filho de queniano muçulmano e de uma branca progressista e hippie, assumiu hoje, dia 20 de janeiro de 2009, como o novo presidente dos Estados Unidos. Este é apenas um registro da data histórica neste meu, quase íntimo, diário. Tudo já foi dito sobre o homem, o senador de Illinois, o pai de Sacha e Malia, o marido de Michelle, o neto emprestado de Mama Sarah, o estudante brilhante de Harvard, e agora presidente da maior potência do planeta. Poderoso Obama!
Uma amiga ligou ontem para comentar o fato de o novo presidente eleito, a um dia de sua posse, quando deveria estar se preparando para o big day, ter dedicado parte de suas preciosas horas para pintar de azul uma parede numa casa de desabrigados de Washington. Um gesto simbólico de trabalho voluntário para homenagear Martin Luther King, uma de suas maiores (e melhores) referências. Isso pode ser considerado um ato populista, sim. Mas faz uma brutal diferença. Se Obama é um populista ou um homem com propósitos nobres e de espírito elevado, só o tempo dirá. O que sei é que o mundo ainda vai ter de aprender a conhecê-lo melhor e torcer por ele.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Corra Lola, corra

Tentei seguir à risca as dicas do Guia SP (do Estadão) falando, na capa desta semana, sobre as vantagens de se estar em São Paulo em janeiro, porque no comecinho do ano consegue-se fazer uma porção de coisas - cinema, comer fora, teatro, compras - sem filas e sem estresse. Ok, vamos lá! Experimentei, primeiro, comer no Ritz, ali da Alameda Franca. Desde que voltei de férias estou ensaiando ir ao Ritz para comer um prato que adoro: feijão, arroz, pastel e couve, servido 2x por semana. Eram 14h30, o povo está de férias, não vai ter fila. Doce ilusão. Vi as pessoas na rua e desisti. A espera era de pelo menos uma hora. Não desanimei, afinal é janeiro, o povo está na praia neste calorão. Subi até o Viena, do Conjunto Nacional, na expectativa de comer uma massinha do chef com tomates frescos. Já eram 14h45, meu horário de almoço estava passando do ponto. A fila do Viena? Intolerável. Parece que todo o mundo teve a mesma idéia. A espera também era superior a uma hora. A fome aumentou, a impaciência também. Ouvi duas mulheres falando que iam tentar um outro ali pertinho. Segui o conselho delas e fui também. Comida ruim, mas foi o que conseguimos sem fila. Deveria ter desconfiado.
Mais tarde, fui tentar um cinema. Não devia ter muita gente, porque, afinal, o Guia dizia: dá pra sair de casa uns 10 minutos antes (para quem mora perto dos cinemas, como eu) sem problemas. Fui nessa. O filme escolhido era o mais novo do Clint Eastwood, A Troca. Ao chegar na sala do Unibanco da Augusta, às 17h55 (o filme começava às 18h), decepção. A fila para comprar era imensa e para a sessão seguinte! A das 18h já estava lotada. Corri, e como corri, até o Arteplex da Frei Caneca para pegar a sessão das 18h10 do mesmo filme. Sessão esgotada. Sou teimosa. Subi a Frei Caneca para tentar o horário das 18h30 no Bristol, do Center3. Pensei, o povo do BomBril não é tão ligado. E é verão, por Deus!! Não deu certo, de novo. Ou seja, não era meu dia.
Decidi trocar A Troca por outro, Felix e Lola, um filme francês, de Patrice Leconte, no Cinesesc. Eu já tinha caminhado uns 6 km só neste domingo e estava exausta. Cheguei lá as 18h50. Sem filas, ar refrigerado, um monte de lugares vazios no cinema. Deu tempo até para fazer um lanchinho. Deveria ter desconfiado. O filme era ruim.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Flavour, por favor

Minha mãe, d. Eliza, está na Austrália passando um mês com o neto dela, Iura (que vive lá há mais de três anos), e com a minha irmã mais nova, Margarete. Mas, como é uma senhora completamente independente, apesar dos 82 anos, ela precisa estar sempre em movimento para se sentir bem. Gosta de sair para comprar alimentos para cozinhar em casa, já que detesta comer fora (ao contrário da filha). Mas d. Eliza não fala inglês, nadinha mesmo. Só que já anda se aventurando na língua da rainha Elizabeth, sua xará. Aprendeu a dizer good morning para a namorada do meu sobrinho, a se despedir com um see you, embora complete a fala em português. No supermercado, usa de mímicas para se fazer entender. Agora, resolveu ousar um pouco e pedir flavour (farinha), palavra que aprendeu. Só que o tipo de flavour solicitado por d. Eliza em uma das suas últimas idas ao super não foi compreendida pela moça. Era flavor de mandioca! Imagino que tipo de mímica minha mãe teria de fazer para explicar à loirinha vendedora o que era mandioca. Sem contar que os australianos jamais devem ter ouvido falar desse tipo de farinha por lá. D. Eliza, em sua simplicidade cativante, não tem noção dos limites das fronteiras da macaxeira e saiu frustrada. Queria farinha para comer com churrasco neste domingo. Coisas de gaúcho. E de d. Eliza.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Cayo Largo II

Praias virgens de Cayo Largo, com areia branquinha e fina

Cayo Largo


Cayo Largo, uma ilhota na costa oeste de Cuba, com seu mar verde-esmeralda de águas calmas.

domingo, 4 de janeiro de 2009

CUBA libre!


A famosa 5a. avenida de Havana. Rua das embaixadas e mansões.

CUBA Libre!


A praça da revolução. Agora sem Fidel. E vazia. Porque não houve dinheiro para fazer uma festa em Havana.

Cuba


Nosso motorista com seu táxi azul pelas ruas de Havana

Cuba 18 anos depois...


Passei os feriados de fim de ano em Cuba. Esta foi a segunda vez que estive na ilha, que, aliás, está comemorando 50 anos da revolução liderada por Fidel e Che Guevara. Nem preciso dizer o choque que levei há 18 anos. Em 1990, quando estive lá pela primeira vez, Havana era uma cidade destruída, quase em ruínas, com prédios e casas mal conservadas, ocupados por famílias inteiras pendurando suas parcas roupas nas janelas, verdadeiros cortiços escuros, quentes e úmidos, com fiação elétrica exposta, encanamento de água e chuveiro quente eram luxos. Casas confiscadas dos ricos da era Batista. Foi justo, para as circustâncias da revolução na época. Não havia tinta para pintar os prédios, tudo descascava a olhos vistos. Os carros mais novos a circularem eram os russos Mazda dos anos 70, aqueles quadrados e feios, bem comuns no leste europeu nos tempos do socialismo soviético. Mas a maioria dos veículos ainda era composta de carros americanos, dos anos 50, com seus rabos de peixe e motores recuperados ao longo dos anos, o que permitiu a proliferação de mecânicos em Cuba, fazendo deles verdadeiros experts na arte de reciclar peças e motores para ganhar um dinheirinho extra. Não havia lojas, as poucas no centro da cidade tinham vitrines pálidas, com algumas camisas brancas (os homens cubanos ainda as usam), sapatos pretos (tipo Paso Doble) , sapatos femininos meio grosseiros e beges. Não havia jeans, nem camisetas (simbolos do capitalismo na cabeça dos governantes, eu acho), nem blusinhas de verão, nem sandálias. Nas farmácias, o que mais me intrigava era a falta de produtos nas prateleiras, melancolicamente vazias.

Nos hotéis de Havana não havia fartura nem para turistas. Isso eu mesma experimentei em 1990. De tanto comer manga e abacaxi cheguei ao Brasil com uma estomatite gigantesca e fui parar na emergência do Hospital 9 de Julho. Nas praias de Varadero e Cayo Largo, os espanhóis construíram seus hotéis de luxo com muito conforto, embora com suprimentos oferecidos ainda de forma comedida. Faltava papel higiênico, um mixto quente no meio da tarde era considerado uma iguaria e conseguir um cadeado para fechar uma mala (já que a minha havia sido totalmente aberta e rasgada no trajeto de Caracas até Havana) se transformou numa epopéia de dois dias. Quando o camareiro chegou com o cadeado russo usado (desses antigos pesados que guardo até hoje como relíquia) no meio da noite, sussurrando e me cobrando 10 dólares por ele, eu imaginei como seria se eu tivesse pedido um ...secador de cabelos. Eles se esforçariam, mas não creio que encontrassem. Eram tempos de penúria. A União Soviética se desmanchara e a Rússia, agora sozinha, tinha de cuidar de sua própria casa, reduzindo drasticamente seus aportes ao povo cubano.
Apesar de tudo isso, as pessoas pareciam conformadas e alegres - conversei com algumas delas. Elas amavam, acima de tudo, o comandante Fidel. Eu não me identificara como jornalista, pois só assim eles poderiam me falar sobre seus sentimentos e expectativas abertamente, como se estivessem conversando com uma turista curiosa. "Temos saúde, educação e comida. O salário é baixo, mas vai melhorar", diziam.

Agora, dezembro de 2008, retornei à ilha. Se para meus amigos o choque foi parecido com o meu há 18 anos, o meu espanto agora foi motivado por outras razões.
O primeiro foi o preço dos serviços. Um peso convertible cubano (CUC) equivale a 1 euro (mais de 3 reais). Uma hora de internet custa 10 CUCs = 30 reais! É mais caro do que um charuto cubano Monte Cristo (7 CUCs). Um telefonema de 1 minuto para o Brasil sai por 21 reais. Talvez seja a ligação mais cara do mundo para dizer 'alô mãe, feliz ano novo". No hotel, uma latinha de coca-cola (a cubana) sai por 6 reais (2 CUCs) e um simples sanduíche de queijo e presunto (com fatias finas) o absurdo de 18 reais. Será que em Tóquio também é tão caro? Bem, pelo menos por lá, garanto que a qualidade do serviço é melhor.

Fiquei encantada, desta vez, com a beleza de Havana, e mesmo com a crueldade dos furacões que insistem em arrasar a região anualmente, vi uma cidade diferente, mais bonita, com muitos prédios históricos recuperados, pintados, ruas com calçamento novo, o Malecón com menos cortiços e, aos poucos, se integrando ao resto da paisagem que lhe é de direito. Mas as pessoas continuam morando mal, lá dentro, com certeza.
Vi muitos restaurantes abertos no centro antigo, novos e luxuosos hotéis, com vários tipos de comida e bebidas. Banheiros limpos, grandes, com toalhas, papel, sabonetes, xampús e cremes à vontade para os hóspedes. Bares servindo bebidas típicas. Tá certo que no hotel Panorama, um dos mais novos da cidade, faltava la erva buena (a hortelã) para fazer o típico mojito, uma falha impedoável para um cinco estrelas. São as limitações que Cuba ainda não conseguiu superar.
Os carros velhos já são minoria em Havana, substituídos por marcas européias, vans, motos e táxis modernos, alguns russos, outros franceses ou espanhóis. Até ônibus de dois andares para city tours já existe por lá.

Espantei-me também com o desperdício de comida e de bebida nos resorts cinco estrelas das praias de Varadero e Cayo Largo. Já não se come só abacaxi, manga, porco e frango. Os italianos e os canadenses praticamente lotearam alguns Meliás de Cayo Largo, tanto que os vôos partem direto da pequena ilhota (a oeste de Cuba, com 25 quilômetros de praias) para seus destinos em Milão, Roma, Québéc, Toronto, sem passar por Havana. Por conta desse novo assédio estrangeiro - que já tem mais de 1o anos - o abastecimento culinário foi reforçado para agradar paladares mais refinados como os dos próprios italianos. Sorte nossa.
Quando vi tudo aquilo me lembrei do povo cubano, forçado a uma dieta diária de arroz misturado a um tipo de feijão preto (mouros e cristianos, chama-se o prato), batatas e pollo (frango). Com raríssimas variações, dizem eles.
Lembrei da mulher que me parou na rua pedindo um sabonete ou alguma coisa para comer. Não era para ela, fazia questão de dizer, mas para o filho. Do funcionário do hotel de Havana perguntando se a gente tinha algum regalito do Brasil para o filho. Ou da camareira de olhos tristes do Meliá de Cayo Largo dizendo que já tinha limpado 18 habitaciones (quartos) naquela manhã, estava exausta e que só veria seus filhos (na ilha da Juventude, onde mora) dali a alguns dias.

Já sabia que os cubanos não tinham acesso às lojas, bares, restaurantes frequentados pelos turistas e pagos com pesos cubanos conversibles (CUCs). Mas, o interessante é que médicos, bioquímicos, professores, especialistas em arte, deixem suas profissões e seus diplomas para ganhar un poquito más servindo aos turistas, por causa das gorjetas e do salário um pouco melhor: 40 CUCs (mais ou menos 120 reais) ao mês. Assim, um mestre em história da arte se transforma num salva-vidas, vive seus dias a ajeitar cadeiras e guarda-sóis para nós na praia; uma engenheira graduada na Alemanha passa horas mudando roteiros, agendando passeios e excursões para os hóspedes, e um veterinário fica rebolando e cantando nos shows noturnos dos resorts e participando do grupo de animação para adultos e crianças ao longo do dia, e tudo em quatro idiomas. A queixa é sempre a mesma. Se não largassem suas profissões, o salário seria muito mais baixo. Não sei qual a profissão de verdade da camareira Elizabete, de olhar cansado. Mas ela não deveria ser diferente de seus colegas. Talvez uma professora, uma cientista, ou uma economista que hoje se dedica a arrumar camas e a limpar banheiros. Triste país este que deixa de lado sua mão-de-obra especializada e para acupá-la no entretenimento de um bando de turistas.

Não vi alegria nas pessoas desta vez. Talvez por elas terem acordado desse sonho imposto por uma revolução idealista ao longo de 50 anos. Acho que Raul Castro será uma espécie de Obama latino. Se quiser realmente mudar alguma coisa, e para melhor, terá de lidar com essa pesada herança de totalitarismo. Não tenho pretensão nenhuma ou manual de instruções para ousar dizer o que ele deve fazer. Só sei que dá para ver que algumas pontes desse socialismo começam a ruir, vamos ver até quando as que restaram vão resistir.