segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um táxi para o inferno

Eu ia escrever hoje sobre o filme Um Táxi para a Escuridão, documentário de Alex Gibney, cujo pano de fundo é a prisão de um taxista afegão pelos militares norte-americanos na base aérea de Bagram (no Afeganistão). Ele morre quatro dias depois por causa das torturas praticadas pelos oficiais norte-americanos. Detalhe: o taxista era inocente e não teve nada a ver com o 11/9. O filme trata justamente desses "enganos" cometidos pelo governo de Bush e Dick Cheney no Afeganistão, no Iraque (na prisão de Abu-Ghraib, alguém consegue esquecer aquelas imagens da oficial empunhando uma coleira presa ao pescoço de um prisioneiro, como se fosse um cachorro?) e em Guantánamo (Cuba). O documentário não fala somente dos inocentes presos nessas instalações (que eles chamam de "facilities", que ironia...) e que estão sem julgameno até hoje. Aborda principalmente as torturas praticadas nessas facilities desde 2002, e com o aval do governo Bush, em nome da segurança dos americanos. Além das fotos dos prisioneiros, o que mais choca são os relatos dos oficiais envolvidos nas torturas a mando de seus superiores.
Eu ia falar muito mais sobre esse filme, sobre a indignação que toma conta da gente a cada cena, principalmente porque são atos praticados pelo país que vive enaltecendo sua democracia e seu senso de justiça aos quatro ventos. Mas meu amigo Alberto Guzik, critico admirável, já postou um comentário sobre ele para nos fazer pensar. http://os.dias.e.as.horas.zip.net/no seu blog.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A posse

Barack Hussein Obama, negro, filho de queniano muçulmano e de uma branca progressista e hippie, assumiu hoje, dia 20 de janeiro de 2009, como o novo presidente dos Estados Unidos. Este é apenas um registro da data histórica neste meu, quase íntimo, diário. Tudo já foi dito sobre o homem, o senador de Illinois, o pai de Sacha e Malia, o marido de Michelle, o neto emprestado de Mama Sarah, o estudante brilhante de Harvard, e agora presidente da maior potência do planeta. Poderoso Obama!
Uma amiga ligou ontem para comentar o fato de o novo presidente eleito, a um dia de sua posse, quando deveria estar se preparando para o big day, ter dedicado parte de suas preciosas horas para pintar de azul uma parede numa casa de desabrigados de Washington. Um gesto simbólico de trabalho voluntário para homenagear Martin Luther King, uma de suas maiores (e melhores) referências. Isso pode ser considerado um ato populista, sim. Mas faz uma brutal diferença. Se Obama é um populista ou um homem com propósitos nobres e de espírito elevado, só o tempo dirá. O que sei é que o mundo ainda vai ter de aprender a conhecê-lo melhor e torcer por ele.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Corra Lola, corra

Tentei seguir à risca as dicas do Guia SP (do Estadão) falando, na capa desta semana, sobre as vantagens de se estar em São Paulo em janeiro, porque no comecinho do ano consegue-se fazer uma porção de coisas - cinema, comer fora, teatro, compras - sem filas e sem estresse. Ok, vamos lá! Experimentei, primeiro, comer no Ritz, ali da Alameda Franca. Desde que voltei de férias estou ensaiando ir ao Ritz para comer um prato que adoro: feijão, arroz, pastel e couve, servido 2x por semana. Eram 14h30, o povo está de férias, não vai ter fila. Doce ilusão. Vi as pessoas na rua e desisti. A espera era de pelo menos uma hora. Não desanimei, afinal é janeiro, o povo está na praia neste calorão. Subi até o Viena, do Conjunto Nacional, na expectativa de comer uma massinha do chef com tomates frescos. Já eram 14h45, meu horário de almoço estava passando do ponto. A fila do Viena? Intolerável. Parece que todo o mundo teve a mesma idéia. A espera também era superior a uma hora. A fome aumentou, a impaciência também. Ouvi duas mulheres falando que iam tentar um outro ali pertinho. Segui o conselho delas e fui também. Comida ruim, mas foi o que conseguimos sem fila. Deveria ter desconfiado.
Mais tarde, fui tentar um cinema. Não devia ter muita gente, porque, afinal, o Guia dizia: dá pra sair de casa uns 10 minutos antes (para quem mora perto dos cinemas, como eu) sem problemas. Fui nessa. O filme escolhido era o mais novo do Clint Eastwood, A Troca. Ao chegar na sala do Unibanco da Augusta, às 17h55 (o filme começava às 18h), decepção. A fila para comprar era imensa e para a sessão seguinte! A das 18h já estava lotada. Corri, e como corri, até o Arteplex da Frei Caneca para pegar a sessão das 18h10 do mesmo filme. Sessão esgotada. Sou teimosa. Subi a Frei Caneca para tentar o horário das 18h30 no Bristol, do Center3. Pensei, o povo do BomBril não é tão ligado. E é verão, por Deus!! Não deu certo, de novo. Ou seja, não era meu dia.
Decidi trocar A Troca por outro, Felix e Lola, um filme francês, de Patrice Leconte, no Cinesesc. Eu já tinha caminhado uns 6 km só neste domingo e estava exausta. Cheguei lá as 18h50. Sem filas, ar refrigerado, um monte de lugares vazios no cinema. Deu tempo até para fazer um lanchinho. Deveria ter desconfiado. O filme era ruim.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Flavour, por favor

Minha mãe, d. Eliza, está na Austrália passando um mês com o neto dela, Iura (que vive lá há mais de três anos), e com a minha irmã mais nova, Margarete. Mas, como é uma senhora completamente independente, apesar dos 82 anos, ela precisa estar sempre em movimento para se sentir bem. Gosta de sair para comprar alimentos para cozinhar em casa, já que detesta comer fora (ao contrário da filha). Mas d. Eliza não fala inglês, nadinha mesmo. Só que já anda se aventurando na língua da rainha Elizabeth, sua xará. Aprendeu a dizer good morning para a namorada do meu sobrinho, a se despedir com um see you, embora complete a fala em português. No supermercado, usa de mímicas para se fazer entender. Agora, resolveu ousar um pouco e pedir flavour (farinha), palavra que aprendeu. Só que o tipo de flavour solicitado por d. Eliza em uma das suas últimas idas ao super não foi compreendida pela moça. Era flavor de mandioca! Imagino que tipo de mímica minha mãe teria de fazer para explicar à loirinha vendedora o que era mandioca. Sem contar que os australianos jamais devem ter ouvido falar desse tipo de farinha por lá. D. Eliza, em sua simplicidade cativante, não tem noção dos limites das fronteiras da macaxeira e saiu frustrada. Queria farinha para comer com churrasco neste domingo. Coisas de gaúcho. E de d. Eliza.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Cayo Largo II

Praias virgens de Cayo Largo, com areia branquinha e fina

Cayo Largo


Cayo Largo, uma ilhota na costa oeste de Cuba, com seu mar verde-esmeralda de águas calmas.

domingo, 4 de janeiro de 2009

CUBA libre!


A famosa 5a. avenida de Havana. Rua das embaixadas e mansões.

CUBA Libre!


A praça da revolução. Agora sem Fidel. E vazia. Porque não houve dinheiro para fazer uma festa em Havana.

Cuba


Nosso motorista com seu táxi azul pelas ruas de Havana

Cuba 18 anos depois...


Passei os feriados de fim de ano em Cuba. Esta foi a segunda vez que estive na ilha, que, aliás, está comemorando 50 anos da revolução liderada por Fidel e Che Guevara. Nem preciso dizer o choque que levei há 18 anos. Em 1990, quando estive lá pela primeira vez, Havana era uma cidade destruída, quase em ruínas, com prédios e casas mal conservadas, ocupados por famílias inteiras pendurando suas parcas roupas nas janelas, verdadeiros cortiços escuros, quentes e úmidos, com fiação elétrica exposta, encanamento de água e chuveiro quente eram luxos. Casas confiscadas dos ricos da era Batista. Foi justo, para as circustâncias da revolução na época. Não havia tinta para pintar os prédios, tudo descascava a olhos vistos. Os carros mais novos a circularem eram os russos Mazda dos anos 70, aqueles quadrados e feios, bem comuns no leste europeu nos tempos do socialismo soviético. Mas a maioria dos veículos ainda era composta de carros americanos, dos anos 50, com seus rabos de peixe e motores recuperados ao longo dos anos, o que permitiu a proliferação de mecânicos em Cuba, fazendo deles verdadeiros experts na arte de reciclar peças e motores para ganhar um dinheirinho extra. Não havia lojas, as poucas no centro da cidade tinham vitrines pálidas, com algumas camisas brancas (os homens cubanos ainda as usam), sapatos pretos (tipo Paso Doble) , sapatos femininos meio grosseiros e beges. Não havia jeans, nem camisetas (simbolos do capitalismo na cabeça dos governantes, eu acho), nem blusinhas de verão, nem sandálias. Nas farmácias, o que mais me intrigava era a falta de produtos nas prateleiras, melancolicamente vazias.

Nos hotéis de Havana não havia fartura nem para turistas. Isso eu mesma experimentei em 1990. De tanto comer manga e abacaxi cheguei ao Brasil com uma estomatite gigantesca e fui parar na emergência do Hospital 9 de Julho. Nas praias de Varadero e Cayo Largo, os espanhóis construíram seus hotéis de luxo com muito conforto, embora com suprimentos oferecidos ainda de forma comedida. Faltava papel higiênico, um mixto quente no meio da tarde era considerado uma iguaria e conseguir um cadeado para fechar uma mala (já que a minha havia sido totalmente aberta e rasgada no trajeto de Caracas até Havana) se transformou numa epopéia de dois dias. Quando o camareiro chegou com o cadeado russo usado (desses antigos pesados que guardo até hoje como relíquia) no meio da noite, sussurrando e me cobrando 10 dólares por ele, eu imaginei como seria se eu tivesse pedido um ...secador de cabelos. Eles se esforçariam, mas não creio que encontrassem. Eram tempos de penúria. A União Soviética se desmanchara e a Rússia, agora sozinha, tinha de cuidar de sua própria casa, reduzindo drasticamente seus aportes ao povo cubano.
Apesar de tudo isso, as pessoas pareciam conformadas e alegres - conversei com algumas delas. Elas amavam, acima de tudo, o comandante Fidel. Eu não me identificara como jornalista, pois só assim eles poderiam me falar sobre seus sentimentos e expectativas abertamente, como se estivessem conversando com uma turista curiosa. "Temos saúde, educação e comida. O salário é baixo, mas vai melhorar", diziam.

Agora, dezembro de 2008, retornei à ilha. Se para meus amigos o choque foi parecido com o meu há 18 anos, o meu espanto agora foi motivado por outras razões.
O primeiro foi o preço dos serviços. Um peso convertible cubano (CUC) equivale a 1 euro (mais de 3 reais). Uma hora de internet custa 10 CUCs = 30 reais! É mais caro do que um charuto cubano Monte Cristo (7 CUCs). Um telefonema de 1 minuto para o Brasil sai por 21 reais. Talvez seja a ligação mais cara do mundo para dizer 'alô mãe, feliz ano novo". No hotel, uma latinha de coca-cola (a cubana) sai por 6 reais (2 CUCs) e um simples sanduíche de queijo e presunto (com fatias finas) o absurdo de 18 reais. Será que em Tóquio também é tão caro? Bem, pelo menos por lá, garanto que a qualidade do serviço é melhor.

Fiquei encantada, desta vez, com a beleza de Havana, e mesmo com a crueldade dos furacões que insistem em arrasar a região anualmente, vi uma cidade diferente, mais bonita, com muitos prédios históricos recuperados, pintados, ruas com calçamento novo, o Malecón com menos cortiços e, aos poucos, se integrando ao resto da paisagem que lhe é de direito. Mas as pessoas continuam morando mal, lá dentro, com certeza.
Vi muitos restaurantes abertos no centro antigo, novos e luxuosos hotéis, com vários tipos de comida e bebidas. Banheiros limpos, grandes, com toalhas, papel, sabonetes, xampús e cremes à vontade para os hóspedes. Bares servindo bebidas típicas. Tá certo que no hotel Panorama, um dos mais novos da cidade, faltava la erva buena (a hortelã) para fazer o típico mojito, uma falha impedoável para um cinco estrelas. São as limitações que Cuba ainda não conseguiu superar.
Os carros velhos já são minoria em Havana, substituídos por marcas européias, vans, motos e táxis modernos, alguns russos, outros franceses ou espanhóis. Até ônibus de dois andares para city tours já existe por lá.

Espantei-me também com o desperdício de comida e de bebida nos resorts cinco estrelas das praias de Varadero e Cayo Largo. Já não se come só abacaxi, manga, porco e frango. Os italianos e os canadenses praticamente lotearam alguns Meliás de Cayo Largo, tanto que os vôos partem direto da pequena ilhota (a oeste de Cuba, com 25 quilômetros de praias) para seus destinos em Milão, Roma, Québéc, Toronto, sem passar por Havana. Por conta desse novo assédio estrangeiro - que já tem mais de 1o anos - o abastecimento culinário foi reforçado para agradar paladares mais refinados como os dos próprios italianos. Sorte nossa.
Quando vi tudo aquilo me lembrei do povo cubano, forçado a uma dieta diária de arroz misturado a um tipo de feijão preto (mouros e cristianos, chama-se o prato), batatas e pollo (frango). Com raríssimas variações, dizem eles.
Lembrei da mulher que me parou na rua pedindo um sabonete ou alguma coisa para comer. Não era para ela, fazia questão de dizer, mas para o filho. Do funcionário do hotel de Havana perguntando se a gente tinha algum regalito do Brasil para o filho. Ou da camareira de olhos tristes do Meliá de Cayo Largo dizendo que já tinha limpado 18 habitaciones (quartos) naquela manhã, estava exausta e que só veria seus filhos (na ilha da Juventude, onde mora) dali a alguns dias.

Já sabia que os cubanos não tinham acesso às lojas, bares, restaurantes frequentados pelos turistas e pagos com pesos cubanos conversibles (CUCs). Mas, o interessante é que médicos, bioquímicos, professores, especialistas em arte, deixem suas profissões e seus diplomas para ganhar un poquito más servindo aos turistas, por causa das gorjetas e do salário um pouco melhor: 40 CUCs (mais ou menos 120 reais) ao mês. Assim, um mestre em história da arte se transforma num salva-vidas, vive seus dias a ajeitar cadeiras e guarda-sóis para nós na praia; uma engenheira graduada na Alemanha passa horas mudando roteiros, agendando passeios e excursões para os hóspedes, e um veterinário fica rebolando e cantando nos shows noturnos dos resorts e participando do grupo de animação para adultos e crianças ao longo do dia, e tudo em quatro idiomas. A queixa é sempre a mesma. Se não largassem suas profissões, o salário seria muito mais baixo. Não sei qual a profissão de verdade da camareira Elizabete, de olhar cansado. Mas ela não deveria ser diferente de seus colegas. Talvez uma professora, uma cientista, ou uma economista que hoje se dedica a arrumar camas e a limpar banheiros. Triste país este que deixa de lado sua mão-de-obra especializada e para acupá-la no entretenimento de um bando de turistas.

Não vi alegria nas pessoas desta vez. Talvez por elas terem acordado desse sonho imposto por uma revolução idealista ao longo de 50 anos. Acho que Raul Castro será uma espécie de Obama latino. Se quiser realmente mudar alguma coisa, e para melhor, terá de lidar com essa pesada herança de totalitarismo. Não tenho pretensão nenhuma ou manual de instruções para ousar dizer o que ele deve fazer. Só sei que dá para ver que algumas pontes desse socialismo começam a ruir, vamos ver até quando as que restaram vão resistir.