segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Cartão Postal

É impossível ficar indiferente ou ignorar o documentário A Ponte, em cartaz em alguns cinemas brasileiros. Eu já estava me preparando para falar sobre o assunto, quando li o blog de meu amigo Sérgio Roveri narrando - com elegância e estilo literário peculiares - sua experiência ao assistir o mesmo filme. Fiquei com as mãos acima do teclado, paralisadas. Mas não me intimidei, já que escrever é um exercício, mesmo sem a assiduidade exigida pelo blog.
O documentário A ponte trata de um tema delicado, o suicídio. No filme, a principal protagonista é a majestosa Golden Gate, cartão-postal de São Francisco, considerada uma das maravilhas modernas da engenharia.
Visitei a cidade em 1999, num desses tours para jornalistas, a convite de uma empresa de tecnologia. A viagem era maçante, tínhamos de assistir a diversas palestras, fazer um sem número de entrevistas, almoçar e jantar com vários executivos, e sorrir o tempo todo. Em meio a essa maratona de quatro dias, tentar dar uma escapada para conhecer os pontos mais interessantes da cidade - e que cidade! - era um desafio. Em alguns dos almoços, naqueles restaurantes panorâmicos dos andares mais altos dos prédios de São Francisco, ficávamos observando a cidade lá de cima, loucos para estar lá embaixo. Quando uma rara oportunidade surgiu, dei uma escapada e peguei um táxi para conhecer a Golden Gate. Assim, enquanto outros jornalistas se dividiam em passeios pelo bairro Castro, pelas docas do porto ou foram às compras de seus gadgets high techs, lá fui eu em busca do cartão-postal mais famoso da Califórnia. Paguei uns 50 dólares para chegar até lá.
A ponte, projetada pelo engenheiro Joseph Strauss, liga São Francisco a Sausalito e levou cinco anos para ser construída (foi inaugurada em 1937). De seus 2,7 quilômetros de extensão, 1.966 metros são suspensos. Suas torres de suspensão erguem-se a 227 metros acima do nível do mar, suportando cabos principais com diâmetro de 92 cm. São detalhes que pesquisei no Google, claro. Quando avistei a ponte eu fiquei quieta, mirando seu desenho, sua beleza, sua cor dourada sob o pôr-do-sol naquele fim de tarde de primavera. Nem sei quanto tempo fiquei ali. Era como estar num filme. Aquilo era tão familiar, mas, ao mesmo tempo, tão imponente e distante.
Vi as pessoas passando de bicicletas, de carro, a pé, turistas tirando fotos (como eu) . Decidi ir até a cabeceira dela e parei, de repente. Olhei para baixo e pensei: isso é muito alto! É um bom lugar para suicidas.... e voltei depressa para terra firme. Tive uma sensação de desamparo diante daquela imensidão toda. Algum tempo depois, fiquei sabendo que ali se concentrava o maior índice de suicidas do mundo, um óbito a cada duas semanas, em média.
São essas criaturas, com problemas mentais, depressivas ou profundamente solitárias, que acabaram como coadjuvantes(?) desse triste documentário dirigido por Eric Steel. No filme, a Golden Gate é a protagonista estática, gigantesca, engolidora de vítimas atormentadas, servindo de plataforma ideal para um pulo mortal. Durante a filmagem, as câmeras escondidas de Steel conseguiram testemunhar duas dezenas de suicídios em 2004, além de algumas tentativas frustradas. São pessoas para quem a idéia da morte é mais concreta e redentora do que a sua etérea e insuportável vida. E, para alguns, nem a medicação adianta mais. Porque o anseio por se livrar deste mundo é maior do que qualquer fio de esperança de continuar vivendo.
É uma pena que o belo cartão-postal do engenheiro Strauss esteja servindo de cenário tão macabro e doloroso para tanta gente.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Ortografia

Leio na Folha de hoje que a reforma ortográfica, com novas e radicais mudanças na grafia de nosso idioma, começa a valer a partir de 2008. Entre as mudanças, resultantes de um acordo entre os países de língua portuguesa (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau e Timor Leste), estão o abandono da tão temida trema, acentos diferenciais, circunflexos e agudos, hífens, enfim, todos legados ao esquecimento. Novas regrinhas virão. Um novo aprendizado, especialmente para quem conhece e costuma respeitar o idioma. Vai ser dureza escrever ideia, jiboia, veem, voo, feiura.
Tem muita gente que está a comemorar a eliminação de tantos agudos, chapeuzinhos ou tracinhos nas palavras, especialmente quem nunca conseguiu usá-los adequadamente.
Por outro lado, vejo, com espanto, como alguns jovens internautas criaram uma novilíngua sem nunca terem lido George Orwell. É só dar uma olhada em seus bate-papos pelo MSN, Yahoo!, blogs, mensagens no Orkut e torpedos e ver como essa geração digital resolveu bem seu problema com a língua, criando inusitadas formas de escrita, com abreviações e terminações esquisitas. E todos acabam se entendendo e adotando aquilo como norma.
Não sou contra escrever sem acentos em e-mails e torpedos para amigos. Eu mesma faço isso com freqüência (ou frequencia) porque a internet é um veículo ou mídia que exige rapidez, e, convenhamos, acentos nos exigem várias funções no teclado, ainda mais nos que não seguem as normas ABNT. Mas isso é perfeitamente aceitável para quem conhece as regras e sabe usá-las, mesmo que as ignore na pressa da escrita.
O que me apavora é que essa garotada (jovens com boa educação em casa, ótimas escolas particulares, estantes cheias de livros e boas notas) não sabe escrever mais. Será que aprendeu algum dia? E a nova ortografia, será mais fácil para eles?. Torço para não precisar mais ler viajem, aflissão, ipocrisia, paíz e coisas do gênero em alguns textos desses jovens internautas, já que teremos de nos acostumar com voo, veem, heroica e assembleia.

Enquanto isto, os portugueses não poderão mais grafar acção, adopção, húmido e herva - óptimo (oops... ótimo) para eles!

sábado, 18 de agosto de 2007

Músicas de fundo

D. Eliza sempre foi uma mulher forte e saudável, apesar de seus 81 anos. Os únicos poblemas dos quais se queixa, ultimamente, são a labirintite e o colesterol um pouco acima do normal, controlado com remédios. Quisera eu chegar à idade dela com essa vitalidade! Mas ela tem, também, um problemas de audição já faz alguns anos. Na verdade, acho que tudo começou quando meu pai ainda era vivo. Nos últimos anos de vida de seu Cenorino, a gente já precisava gritar para ele ouvir. E isso era meio estressante para minha mãe, já que além de gesticular e falar aos berros com meu pai, não existia uma conversa normal entre eles, por conta justamente dessa limitação. Depois de algum tempo convivendo com essa deficiência de seu Cenorino, ela acabou por ficar tão surda quanto ele.
Bom, o fato é que ela usa aparelho num dos ouvidos. Mas notamos que esse dispositivo, por vezes, mais atrapalha do que ajuda. Isso porque, segundo ela, dependendo do volume colocado no tal aparelho, ela diz ouvir só os barulhos do ambiente, e não consegue entender as palavras da pessoa falando diretamente com ela. Isto é, se ela está num ambiente com música, buzinas de carros, rádio, tevê alta, muita gente conversando ao mesmo tempo, o aparelho captura mais esses sons, prejudicando uma conversa bilateral. O que pode explicar o fato de ela não me escutar muito bem quando estamos em ambientes barulhentos.
Agora, D Eliza diz que além de não escutar muito bem o que a gente fala - o que não é grave na idade dela, mas atrapalha um pouco as relações sociais - ela está ouvindo uma música ao fundo, e...dentro da cabeça! Pior, a música, diz ela, é alemã, talvez austríaca (terra do pai dela). "Às vezes, é uma valsa de Strauss, bem ao longe, noutras é uma música de minha infância". E começa a cantar, em alemão, a canção folclórica austríaca da hora. E, tem mais, ela não curte essa música. Em outros tempos, me disse, era aquela "Fascinação" (a mesma cantada pela Elis Regina). O repertório é variado. Diz que essas músicas surgem quando está sem aparelho ou quando está tudo no mais absoluto silêncio.
Bem, vou ter de tomar uma providência, levando D Eliza ao médico para avaliar esse tipo de "ruído"na cabeça.
Só espero que essas músicas continuem como estão, folclóricas alemãs, valsas austríacas ou canções suaves, sem descambar para o sertanejo ou rap, aí sim, a situação de D Eliza ficaria preocupante.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Médicos inconvenientes

Em Porto Alegre, às voltas com exames, consultas a médicos, novos exames faltantes, apalpa daqui apalpa dali, perguntas, sorrisos, algumas rugas na testa, a espera de novos resultados. Nada disso é mais doloroso do que ir ao ginecologista. Nem mesmo a mamografia, em que a mama é ensanduichada entre duas plataformas geladas - de frente, de lado, do outro lado - e apertadas com toda a força da máquina de alta resolução, é tão cruel do que consultas com ginecologistas. Pelo menos para mim. E de uns anos para cá, tem sido pior.
Explico, além da posição constrangedora que nos impõe a situação (como se fosse uma galinha, de pernas abertas e pra cima, já pronta para ir pro forno), vem aquele ferro medieval, fuça daqui, fuça dali, e, por fim, as malditas perguntas. Justo naquele momento em que não tenho forças nem para gemer de dor, vêm as tais perguntas, mais constrangedoras do que a posição ridícula em que me encontro e que podem doer mais do que o exame em si.

E a vida sexual? Indaga a médica, pouco conhecida minha, e, portanto, com quem não tenho a menor intimidade.

Como?? respondo baixinho e sem forças.

Então, como anda o sexo? Insiste ela, com a maior calma do mundo, fuçando, fuçando...

Ah! Hmmm! (interjeições que exprimem a dor e a completa falta do que dizer naquele momento.
Bom, eu ando fechada para balanço, por uns tempos (dizer o que?? tenho de ser sincera... e otimista).

Você precisa ter atividade sexual, você é jovem, bonita ainda (gostei dessa parte!) e fazer sexo faz muito bem - diz ela, naturalmente, como se eu fosse uma freirinha jovem, a caminho do convento e dezenas de homens, entre eles o Fábio Assunção, o Gianechinni e o Rodrigo Veroneze estivessem correndo atrás de mim dizendo "não vai, não vai, fica comigo!".


p.s. A propósito de homens bonitos. Fui ver Primo Basílio, e fiquei pensando no sacrifício que deve ter sido para Débora Falabella fazer o filme com o Gianecchini e o Fábio Assunção, um como marido e o outro como amante. UAU!!





sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sr e Sra Smith e a globalização

Leio que as bolsas estão caindo no mundo inteiro, os bancos centrais da Europa, Estados Unidos e Brasil começam a manifestar uma certa preocupação com o que está por vir, e injetam recursos na economia, ao ponto de o Banco Central Europeu ter feito um aporte de US$ 130 bilhões nos bancos europeus, na quinta passada, e o FED (Banco Central dos EUA) ter ampliado suas reservas para o sistema bancário americano, nesta sexta, em mais US$ 35 bilhões, para evitar uma crise de liquidez no sistema de crédito de risco daquele país.
Mas, por que estou falando de um assunto tão árido num espaço como este? E por que estou preocupada com o rumo da economia mundial e com a queda das bolsas se eu não tenho um centavo aplicado em ações? Primeiro, porque vivemos num mundo globalizado, e se chove lá em cima respinga por aqui, no andar de baixo. Segundo, porque acho que o cerne dessa crise mundial - ainda controlável, se Deus quiser - aparenta ser bem prosaico, pelo menos na minha pobre e limitada avaliação e como observadora dos fatos.
Pelo que entendi, os norte-americanos, um povo patologicamente consumidor e sem nenhum controle de seus gastos, acostumado a comprar suas belas casas de dois andares, com aquele monte de janelas, com garagens para dois ou três carros e em subúrbios que mais parecem cenários de filmes hollywoodianos, estão, agora, sem condições de honrar seus compromissos com o crédito imobiliário dos bancos. E teriam passado a hipotecar suas casas para quitar outros débitos com cartões de crédito. Dívidas contraídas, quem sabe, com a Macys e com a Century 21, com os postos de gasolina onde enchem o tanque de seus carrões, e com as caras universidades de seus filhos. E isso tudo estaria gerando uma insolvência no mercado imobiliário - um dos grandes pilares da economia americana, aliás - e afetando os bancos, as bolsas, e toda a economia mundial.
Ou seja, a falta de planejamento do sr Smith e de sua esposa Carrie, que não conseguem saldar seus débitos com o banco do subúrbio de Utah ou do Arkansas, terá um efeito dominó no mundo. O dólar sobe, os juros se elevam e as bolsas caem. É sempre a mesma coisa. O Pedro, operário de uma fábrica de calçados em Novo Hamburgo, no interior do Rio Grande do Sul, o Monsieur Gaulin, que tem uma pequena vinícola na cidadezinha de Chalons sûr Saône, no sul da França, e Hu Ling, um jovem estudante que trabalha numa loja de CDs (piratas?) de Xangai, deverão ser intimamente afetados pela inadimplência do sr e sra. Smith. Seja pelos juros mais altos quando forem comprar uma camisa, ou com uma alta nos preços da comida (no quilo da esquina ou no supermercado), ou quando forem fazer um crédiário para comprar uma tevê. São os efeitos da globalização. E não me venham dizer que isso é queixa de classe média, porque desse discurso eu também já cansei.

sábado, 4 de agosto de 2007

O tempo enlouqueceu...segundo D Eliza

Alguém já reparou que o clima é sempre o tema escolhido para iniciarmos uma conversa desprentensiosa com alguém, especialmente se for com algum estranho ou com uma pessoa com quem não temos intimidade? Comigo, pelo menos, é assim. Num restaurante a quilo, quando sento à mesa ao lado de quem não conheço e fico comichando para entabular uma conversa, é sobre o tempo que falo. Quando estou numa fila de cinema, ou vou pagar a conta no caixa do supermercado (e ele já me conhece), ou quando encontro alguém conhecido no shopping, é sobre o clima que comento: "Que friozinho tem feito, né? Ninguém merece tanto". Minha mãe, d. Eliza, com quem falo duas a três vezes por semana, por telefone, mora em Porto Alegre, cidade onde o inverno tem sido muito rigoroso. Por vezes, o tempo também motiva nossa conversa. "Oi, tudo bem, como está o tempo por aí?"Damos o boletim meteorológico de nossas respectivas cidades e eu comento que enquanto estamos sofrendo com o frio aqui, no hemisfério sul, dezenas de pessoas estão morrendo de calor na Europa, com temperaturas pouco acima de 40 graus, especialmente na Hungria, Romênia e Itália.
D. Eliza escuta com atenção o que eu digo, pensa e dá o seu veredito: "Pois eu acho que o tempo enlouqueceu por causa dos homens." Concordo com ela. Mas deixo ela desenvolver um pouco mais seu pensamento porque sei que vem coisa por aí.
"Se não fossem esses caras, esses astronautas, sempre dentro de um foguete, no espaço, mexendo na lua, nesses planetas todos e voando por aí, nada disso estaria acontecendo. Não é possível que essa movimentação toda lá em cima não provoque toda essa confusão aqui embaixo, com frio e chuva no sul e seca no nordeste".
Essa é a teoria de D. Eliza sobre o clima, que não conhece nada de fenômenos como La Niña ou El Niño, nem de aquecimento global, nem de emissão de gases que formam o efeito estufa. Para ela, as coisas são bem mais simples. A culpa é dos astronautas.