sexta-feira, 30 de maio de 2008

O mundo anda pra trás?

Costumo ler o jornal de trás para frente, mania antiga. É claro que não sou louca e dou uma olhada antes na capa para ver se rola algo realmente muito interessante e que não tenha sido exaustivamente abordado pelos telejornais da noite anterior. Mas, não, com a internet e com as tevês, as notícias impressas soam tão antigas. Principalmente as manchetes políticas. Nossa! Como é chato ler política hoje no Brasil. Só há casos de corrupção, acordos para votação de impostos, CPIs-pizzas, PAC que não acelera, blábláblá. Por isso, meu assuntos preferidos são a cultura e as notícias internacionais. Estas, leio primeiro. Com exceção da recente cobertura das eleições americanas, que perderam a graça por conta da cabeça-dura da sra. Clinton, devoro quase tudo da seção Mundo. Corro as páginas de trás para frente. O mundo está ali diante de nós, com todas as suas mazelas, algumas muitas parecidas com as nossas, outras bem distantes da realidade tupiniquim. Os conflitos religiosos e étnicos na África, no Oriente, nos Balcãs. Vimos a fúria dos sérvios para melar a independência do Kosovo, lemos diariamente que o radicalismo islâmico cresce tal qual bolo com fermento, a rivalidade entre judeus, xiitas, sunitas, curdos, cristãos (por causa da religião ou por territórios), os palestinos sempre à espera de recoquistar seu pedaço de terra na Israel dividida, milhares de pessoas emigrando de seus países em busca de uma vida melhor na rica Europa, a mesma Europa querendo expulsar os imigrantes de seus domínios, por motivos econômicos ou demográficos (Itália e França, principalmente), ou, na melhor das hipóteses, exigindo seu aculturamento às leis e costumes locais (e que falem o inglês, francês ou espanhol, de preferência, sem sotaque...). A proibição das mulheres árabes de usarem o véu nas escolas (caso da França). Fico sabendo também porque o lixo está acumulado há meses em Nápoles, cuja máfia local é quem manda na situação, e que Hugo Chávez tentou, mas não conseguiu, vingar sua "brilhante" idéia de cobrar das emissoras privadas de televisão (e suas opositoras) a retransmissão de imagens geradas pela estatal VTV. Os ruralistas argentinos protestam contra os impostos sobre os seus grãos, fazem marchas e paralisam estradas há 80 dias. E o terremoto da China, cujo número de mortos ultrapassou a 70 mil, com milhares de crianças desaparecidas? Os pais chineses das províncias atingidas perderam o filho único com o desabamento das frágeis 7 mil salas de aula em Sichuan. Ah, sim, agora terão a liberdade de gerar outro filho, e mesmo que adotem crianças órfãs, poderão tentar outros descendentes de seu próprio sangue. Um gesto magnânimo do senhor Hu Jintao, sem dúvida. Como diz a Sharon Stone, será um karma pelo que fizeram com o Tibete? Comentário infeliz, sem dúvida, e, depois, o terremoto deve ter provocado só tremores leves no prédio do partido comunista, errando redondamente seu alvo. A tragédia do ciclone Nargis, em Mianmar, com 140 mil mortes, e a forma como o governo ditatorial barrou a ajuda externa e tentou calar a população desabrigada do sul do país dando-lhe meia dúzia de bambus para reconstruírem suas casinhas. É revoltante.

Entre essas notícias nada animadoras que preenchem as páginas internacionais dos jornais, uma me chamou mais a atenção nos últimos dias. Não só por tratar-se de um assunto curioso (e dramático), mas por acontecer em pleno século 21. É o movimento de uma subcasta indiana, os Gujjares. Ela é formada por trabalhadores rurais e inserida em uma casta maior, os Vaishyas (comerciantes, pequenos empresários, proprietários de terras, artistas). Estes só estão abaixo dos superiores Brâmanes (intelectuais, sacerdotes, sábios), no topo da pirâmide, e dos Ksatriyas (ou Xátrias), dos guerreiros, militares e governantes. Os Gujjares estão protestando porque querem cair, por decreto, alguns degraus na escala social e serem incluídos na base da pirâmide, se submetendo até a ficarem junto com os Sudras (os trabalhadores manuais e operários), a quarta e última casta da milenar escala social indiana.

As castas são definidas pelos Vedas (os textos sagrados do hinduismo), que reconhece as pessoas pelas suas diferentes qualificações (guna) e tipo de trabalho (karma) e não pela família. Abaixo dos Sudras estão os Intocáveis ou Dulits, os sem casta, considerados os párias da sociedade, aqueles encarregados dos trabalhos impuros e cujas tarefas os demais indianos não querem assumir (seriam os nossos atuais imigrantes nos Estados Unidos e Europa??). Os intocáveis são barrados até mesmo nos templos se, por acaso, algum membro da casta superior estiver ali para rezar. Bom, mas por que o Gujjares querem ficar no mesmo nível dos Sudras (a última casta) e até dos Dulits, os sem-casta? Porque são essas camadas sociais as maiores beneficiárias da ajuda financeira do governo indiano, que também vem estimulando o programa de afirmação social, com a reserva de cotas no ensino e no funcionalismo para os membros da base de pirâmide. A tribo dos Gujjares quer participar desses benefícios, e insiste no seu rebaixamento.
Acho que é como se as famílias desempregadas da nossa classe média pedissem o seu enquadramento na classe C ou D para ter direito à bolsa-família do governo ou para tentar emplacar seus filhos em alguma universidade pública. Infelizmente, esse movimento dos Guajjares ganha ares trágicos porque os policiais já mataram 40 pessoas da tribo durante os protestos em Déli. Não é nada fácil ser rebaixado. Parece que o mundo anda mesmo para trás...

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