quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Lanterninha de cinema


Alguns amigos me pediram para falar dos filmes que mais gostei da 30ª Mostra de São Paulo. Consegui ver 23, no período de 10 dias. Tinha ingressos para 25, mas um eu perdi (Delirious, de Ton DiCillo) porque meu avião atrasou 3 horas para chegar a São Paulo, na quinta, dia 25; e o outro, Desejo e Reparação, de J. Wright, não tive oportunidade de ver porque estava no Lust, Caution, do Ang Lee, e não me dei conta de que o longa tinha 2 horas e 40 minutos. Foi o vencedor do Leão de Ouro do festival de Veneza deste ano. O diretor, para quem não lembra, é o mesmo taiwanês que abocanhou, no ano passado, o prêmio máximo de Veneza, 3 Oscar e vários outros prêmios mundo afora pelo belo e sensível Brokeback Mountain, sobre os dois cowboys gays.
Lust, Caution é cinemão, com uma estética noir, sobre a invasão japonesa na China durante a II Guerra Mundial, opondo a resistência chinesa aos colaboracionistas que trabalhavam para o Japão, na surdina.
Cinema é meu elemento. Adoro. Assim como viagens (ao exterior), teatro e livros. Para mim, filme bom é não só aquele que te emociona (às vezes, a pieguice gruda e não vale), te leva a pensar, mas também o que te surpreende. E no item surpresa (e das boas), eu destaquei três títulos: O primeiro é A Vida dos Outros, dirigido e escrito pelo alemão bonitão e com nome de nobre, Florian Henckel von Donnersmarck, um cara poliglota e criado entre Nova York, Frankfurt e Berlim Oriental. Levou o Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano, acho que merecidamente. O roteiro é um achado! Um agente da polícia secreta da Alemanha Oriental é designado para vigiar um dramaturgo, que apesar de alinhado com o comunismo (ainda vigente na época), tinha um motivo especial para ser perseguido. O filme dá uma guinada surpreendente.
O segundo da listinha "roteiros surpreendentes" é Antes que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, do diretor da velha escola, Sidney Lumet. Uma tragicomédia (meio Shakespeare, meio Woody Allen), cujos acontecimentos vão atropelando os personagens: dois irmãos (os ótimos Philip Seymour Hoffman e Ethan Hawke) tentam um golpe sem maiores conseqüências, mas a coisa desanda de tal forma que tudo vai piorando....
O terceiro é Um Jogo de Vida ou Morte (Sleught), de Kennet Brannagh, remake (o primeiro filme é de 72) adaptado de um texto de Harold Pinter, portanto, naturalmente teatral e com apenas dois atores. Michael Caine e Jude Law estabelecem um duelo de vida e morte em seus diálogos afiadíssimos. Tudo vira um blefe e você não sabe mais quem está falando a verdade.

Mas, nem tudo é uma questão só de roteiros surpreendentes. Há filmes que mexem com os nossos sentimentos, nos emocionam, contam uma boa história e a própria História. É o caso de alguns filmes abordando os massacres impostos pelos turcos aos armênios durante a I Guerra. Casa das Cotovias, dos irmãos Taviani, é um deles. O duro foi ver os armênios e os turcos falando em italiano.
Dol é outro relato sobre a perseguição aos curdos na fronteira com o Iraque (produção do Curdistão, França e Alemanha) e contada sob o ponto de vista de um homem (curdo) que só queria mesmo era se casar com uma boa moça, naquele fim de mundo, e tentar ser feliz. Mas nada deu muito certo para ele.
Também gostei da animação francesa Persépolis, de iraniana Marjane Satrapi, nos relatando, com um certo humor e ironia, como era viver no Irã da época do Xá (na infância da diretora, nos anos 70) e o que aconteceu com o país e às pessoas depois da revolução islâmica.
Outras verdades inconvenientes também são reveladas no escurinho do cinema. Algumas sobre a China, onde apesar do crescimento econômico, da pujança imobiliária e da concentração de renda nos grandes centros, a gente percebe que tudo continua mais ou menos igual para aquela gente do campo. As mulheres continuam sendo classificadas como pessoas de segunda categoria (não é só lá, eu sei). Pudemos ver isso em Blind Mountain, um belo filme de Li Yang, sobre a venda de mulheres como escravas sexuais. O curioso é que o diretor nos mostra a "velha camaradagem" do comunismo chinês dando lugar (mesmo no campo) ao suborno, aos expertos, ao jeitinho, à graninha por fora para pagar até uma internação em hospital público. Mao deve estar dando pulos na tumba.
Um título significativo da nova geração de cineastas chineses, e sem vergonha de mostrar suas mazelas, é Luxury Car, de Chao Wang. Aqui, uma menina do interior vira garota de programa de uma casa noturna em Xangai, mas omite isso da família, só que um dia o pai vai visitá-la e tudo vem à tona. Eu sei, parece resumo do guia da Folha, mas não é, juro.
As mazelas da guerra do Iraque são narradas corajosamente por Brian de Palma, em Redacted. O diretor optou por um formato documental (com atores desconhecidos) utilizando os depoimentos - em vídeo, câmeras digitais, blogs, internet - de um esquadrão do exército norte-americano sobre o inferno do Iraque de hoje. Palma fez um filme polêmico, para os padrões hollywoodianos, pois mostra as crueldades promovidas pelos soldados americanos aos civis iraquianos, homens, mulheres e até crianças. Vendo aquilo lembrei de Tropa de Elite, porque sabia que tudo era verdade. Isso é o mais chocante no filme. A platéia não segurou o choro no final, quando as fotos reais da guerra são mostradas, com massacres de inocentes feitos tanto por soldados como por terroristas islâmicos sunitas e xiitas. O mundo tem sido muito cruel naquelas bandas.

Um dos filmes mais bonitos (na minha opinião), e escolhido pelo júri como o melhor da Mostra, foi Banheiro do Papa, do Cesar Charlone e Enrique Férnandez, uma produção do Brasil, Uruguai e França. Aborda a vida dos pequenos muambeiros de uma cidadezinha uruguaia chamada Melo, na fronteira com Aceguá, do lado brasileiro. Todos os dias eles vão e voltam com suas bicicletas, trazendo comida, bebida, bugigangas, de cá para lá. E assim vivem, são pobres, muito pobres (não têm sequer um rádio funcionando direito), mas, de certa forma, acomodados e felizes naquelas vidinhas, acalentando seus sonhos, sua camaradagem entre vizinhos. Até que é anunciada a visita do Papa à pequena cidade. A partir daí, as coisas mudam. A população se mobiliza para tirar proveito desse grande evento, pois sabe que jamais acontecerá algo do tipo naquele lugar. A construção de um banheiro público para atender às necessidades dos milhares de visitantes é só uma das idéias. O filme tem graça, humor e emociona, sem ser piegas.

P.S. - esqueci de falar de Atrizes, uma produção francesa de Valeria Bruni Tedeschi (a personagem principal do filme), sobre uma companhia de teatro e um atriz à beira de um ataque de nervos. Muito bom.

3 comentários:

Sônia Guimarães disse...

Incrível,né? Não vi nenhum dos filmes a que vc assistiu... Não por falta de vontade, acho que cheguei aos 15 (no máximo, pois só podia ir ao cinema à noite). Mas é tanto, tanto filme... E mais uma vez, não nos encontramos. BJO!

Barbara disse...

quem sabe da próxima vez querida! beijo

Contrera disse...

estou adorando este seu blog. vc escreve com coracao.
contrera

http://oracoesaovento.blogspot.com