quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Istambul

Desde que li Istambul, do escritor turco Orhan Pamuk, Nobel de literatura em 2006, comecei a ter grande curiosidade pela cidade e pelo que acontece na Turquia. É estranho dizer isso porque, até o ano passado, eu nem cogitava em conhecer esse país. Sempre associei a Turquia a um regime militar repressor, com pouco respeito aos direitos humanos, sem falar na perseguição às minorias curdas, aos gregos ortodoxos, o massacre dos armênios. Idiomas estranhos ao turco foram banidos e reprimidos por muitos anos. Até hoje, os curdos, um contingente de mais de 15 milhões de habitantes na Turquia, evitam falar sua língua-mãe em alto e bom som dentro do território turco. Ou seja, nem sempre o islã e os mulás são culpados pelas coisas ruins que acontecem no mundo, já que o país é um Estado laico, livre das ingerências do islamismo radical, desde a criação da república pelo líder militar Mustafá Atatürk, no começo do século passado. Mas não é sobre a situação política da Turquia que quero falar aqui. Isso deixo para os jornais e livros de história.
Quero falar sobre livros e o fascínio que exercem sobre a gente. As memórias de Pamuk são uma verdadeira declaração de amor à cidade, com lembranças desde as mais remotas de sua infância, nos anos 50, com relatos saborosos sobre a movimentação da casa em que viveu quando era criança e da vizinhança no bairro onde morava. Suas visitas fugidias às ruelas estreitas e escuras da cidade e às casas armênias, gregas, otomanas, muitas em ruínas, são impregnadas de um olhar curioso e melancólico. O Bósforo é o personagem principal dessas memórias, com seus navios prenhes se insinuando no estreito, rumo ao oeste da Europa ou ao leste oriental. Uma cidade dividida entre a Ásia e a Europa. Identidade partida, tentando ser européia, mas, ao mesmo tempo, presa às origens do Oriente.
Em quase 400 páginas, Pamuk desvenda aos seus leitores a principal essência da cultura, da poesia, da literatura, da música e da vida dos istambulis: a hüzüm, palavra turca (de raiz árabe) para designar melancolia. Esse sentimento parece ser uma exclusividade de Istambul, segundo os relatos de Pamuk, que dedica um capítulo inteiro para descrever como a cidade reflete essa melancolia:
"Das velhas barcas de passageiros do Bósforo amarradas em estações desertas no meio do inverno, com marinheiros sonolentos esfregando o convés, balde na mão e um olho na tevê preto-e-branco à distância; dos barbeiros que se queixam de que os homens se barbeiam menos depois de uma crise econômica; das casas de barco vazias à margem do Bósforo; das casas de chá repletas de homens desempregados; das construções de madeira cujas tábuas rangiam, mesmo quando eram casas de paxás e rangem mais agora que se transformaram em repartições municipais; das muralhas da cidade em ruínas desde o fim do Império Bizantino; das finas fitas de fumaça que se erguem das chaminés das mansões centenárias no dia mais frio do ano; dos Chevrolet dos anos 50 que seriam peças de museu em qualquer cidade ocidental, mas aqui servem de táxi-lotação...." Irresistível, não?
Depois de ter lido Istambul e, na seqüência, Neve, do mesmo autor, e ter visto o documentário Atravessando a Ponte - O Som de Istambul, outro mergulho na cidade, com um olhar musical do diretor turco-alemão Fatih Akim, já decidi o destino de minha próxima viagem.

Um comentário:

Unknown disse...

Babi;

Istambul é tudo isso que você falou e muito mais. Já estive por lá um par de vezes e mesmo que voce nào saiba nada da história de Constantinopla, é impossivel ficar imune ao mistério que envolve as ruas barulhentas e enigmáticas de lá. Do TopKapi à Mesquita Azul, Do grande Baazar as velhas pontes que unem dois continentes, Istambul é desafio ao sentidos... Ah... estou com passagem marcada para lá daqui 2 semanas.

Lorenzo
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