sexta-feira, 29 de junho de 2007

O cinema de cada um

O Festival de Cannes, realizado em maio passado, fez 60 anos e tratou de lembrar a data comme il faut. O presidente do festival, Gilles Jacob, teve uma idéia simples (embora não original), para homenagear o cinema. Chamou 33 cineastas - entre aqueles que melhor conhecem e dominam a grande arte - para demonstrarem seu amor pelas salas de cinema. Um jeito singelo de homenagear não só a sétima arte, mas também as salas de bairros, hoje desaparecidas e substituídas por outros tipos de negócios que em nada lembram a cultura e nem estimulam nossa imaginação, como bingos, igrejas universais, shoppings centers, supermercados. Tudo em nome do comércio. Assim, as salas de cinema do interior e dos bairros foram rareando, rareando e ....sumiram! Deixando para trás a saudade das pessoas por um tipo de arte e diversão, às vezes, único. Uma arte acessível, alegre (às vezes, triste), gregária, mágica.
Minha paixão pelo cinema começou bem cedo, ainda lá no interior do Rio Grande do Sul, em Butiá, onde vivi minha infância. Meus pais sempre foram muito boêmios. Eles dançavam no clube da cidade, às vezes se apresentavam em coreografias de tango, reuniam os amigos para jogar cartas e também eram loucos por cinema. Como eles tinham o hábito de frequentar o Cine Butiá quase todas as quartas e sábados (sim, os filmes trocavam de um dia para outro), eu, ainda com três anos e de colo, também ia com eles (nem sempre eles arrumavam uma babá para ficar comigo). Meu pai era amigo do bilheteiro e do porteiro, portanto, eu entrava sem problemas, nem que fosse para ficar dormindo no colo deles, e não sem antes dar uma espiada naquela tela preto-e-branco com as imagens de chanchadas da Atlântida ou de musicais de Hollywood, numa língua que eu não entendia. Eram filmes singelos, numa sala muito simples, com cadeiras de madeira, desconfortáveis...mas, para mim, tudo era novidade e alegria. Adorava ficar no colo de meu pai vendo aquelas imagens em movimento até cair no sono profundo. Quando tinha uns 6 ou 7 anos, já começava a entender um pouco os filmes de Oscarito, Zé Trindade e Grande Otelo, e dava muitas gargalhadas com eles. Já me sentia gente.
Vendo os 33 filmes feitos por cineastas como Walter Salles, Theo Angelopoulos, Konchalovsky, os irmãos Dardenne, Alejandro Iñarritu, Wong Kar-Wai, Billy August, Ken Loach, Wenders e um punhado de outros bons diretores que toparam o desafio imposto por Jacob, lembrei muito do cine Butiá.
Hoje, no lugar daquele mundo mágico de minha infância existe um supermercado. Dura realidade é essa que substitui nossos sonhos e ilusões por pacotes de miojo, margarinas e detergentes.

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