domingo, 24 de junho de 2007

O Vulto das Torres




Até 0 11/9 o interesse do mundo ocidental pelo Oriente Médio e pelos árabes, afegãos, paquistaneses, persas-iranianos, e sobre o Islã e seus fiéis, os muçulmanos - fossem eles radicais ou não -, era, digamos, periférico. Não falo de acadêmicos, escritores, historiadores, jornalistas de cobertura internacional. Falo de nós, comuns mortais, minimamente curiosos e que nos limitávamos a acompanhar pelo jornais as guerras entre Israel e os árabes, os conflitos no Líbano contra judeus e contra sírios, a guerra no Golfo em 1991, os sofrimentos dos refugiados muçulmanos na África e depois o dos cristãos (pois a situação se inverteu em alguns países). Poucos se questionavam sobre aquilo tudo.
Até o 11/9, muitas pessoas que conheço (inclusive eu, admito) achavam que todo o árabe era um muçulmano, e pior, um islamita radical. Mas esse interesse periférico, quase despojado, mudou a partir da queda ds torres do World Trade Center. Agora prestamos (falo por mim) mais atenção no que acontece com esses povos, desde que outras tragédias se instalaram no Afeganistão, a partir de 2001, e no Iraque, em 2003 (como se os povos desses dois países já não estivessem marcados pelo sofrimento imposto ou por seu ditador de plantão ou pelas frequentes ocupações estrangeiras, caso do Afeganistão).
Tudo isso para falar num livro fundamental para quem quer entender um pouco mais a alma desses povos e, principalmente, como foi arquitetado o pensamento radical islâmico a partir dos anos 50, e o que levou alguns grupos islamitas a acharem que o terrorismo seria a solução e levaria à negação do Ocidente (leia-se Estados Unidos e Europa, principalmente), surpreendendo até mesmo Alá.
Trata-se de O Vulto das Torres (The Looming Towers), de Lawrence Wright, um trabalho jornalístico primoroso que consumiu mais de três anos do tempo do autor, uma equipe de entrevistadores, centenas de fontes do Oriente e do Ocidente (sete páginas do livro são dedicadas só às pessoas entrevistadas), além de dezenas de livros consultados (dez páginas com a relação dessas fontes de referência) e inúmeras viagens de Wright para checar as informações. Enfim, ali está um trabalho robusto sobre a história do Islã moderno e seus extremistas, desde o seu mentor e primeiro mártir do movimento islamita radical, o egípcio Sayyid Qutb (morto em 1966), até os novos tempos, com a formação da Al Qaeda e seu líder saudita Osama Bin Laden e um dos seus mais próximos colaboradores, o poderoso intelectual egípcio Ayman Muhammad al-Zawahiri, emir da temida Jihad Islâmica Egípcia. Ele, junto com bin Laden, é um dos terroristas mais procurados pela CIA e FBI.
Devido ao incansável trabalho de investigação, o livro de Wright serve de referência para quem precisa explicar e entender um pouco da história do Islã moderno e do por que dos muçulmanos radicais odiarem tanto o Ocidente. Depois de ler o livro, passei a ver com outros olhos todas esses acontecimentos no Oriente Médio, por que eles morrem em martírio e matam crianças inocentes e mulheres em atentados terroristas (inclusive entre eles mesmos), mesmo com o Alcorão não permitindo assassinatos nem suicídios. Passamos a entender um pouco mais dos meandros da tomada de poder dos Talibãs no Afeganistão e como aquele país consegue sobreviver (se é que consegue) a tantas guerras e invasões, embora a gente saiba que são eles, os afegãos, além dos iraquianos, representantes dos maiores contingentes de refugiados no mundo. A obra ilumina fatos obscuros e que até há pouco tempo eram desconhecidos até mesmo de muitas autoridades. Inclusive coloca o dedo na ferida da política de espionagem norte-americana, já que a CIA, segundo Wright, já tinha informações sobre a presença dos membros da Al Qaeda nos Estados Unidos meses antes de as torres serem explodidas e impediu o FBI a ter acesso a esses nomes.
São 505 páginas lidas com sofreguidão e paixão ao mesmo tempo. Não só pelos fatos históricos e assombrosos ali revelados, mas também pelo estilo narrativo e romanceado do livro. Não foi à toa que o autor ganhou o prêmio Pulitzer 2007 de não-ficção pela obra. Vale cada linha!
E o melhor é que Lawrence Wright estará na Festa Literária de Paraty (FLIP) deste ano. E eu, fã de carteirinha de todos aqueles ótimos escritores participantes, estarei lá para conferir o que ele e os outros têm mais a nos dizer.

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