segunda-feira, 9 de julho de 2007

Leituras, autores, mistérios

Ler é um dos maiores prazeres da vida para muitas pessoas. Ler, assistir a um bom espetáculo de teatro, um filme interessante, uma viagem sonhada. São experiências estimulantes que aguçam nossa mente e nos dão uma sensação muito agradável, comparável talvez àquela vivenciada pelo fumante ao acender um cigarro depois do café ou do sexo, ou à de beber um bom vinho num ótima companhia. Experiências sensoriais que nos cativam, nos prendem e nos despertam.
Se estamos vendo uma peça ou um filme, ou até mesmo viajando com alguém, podemos dividir nossas opiniões imediatamente com as pessoas ao nosso lado, amigos, gente que está VENDO a mesma coisa que nós. A mesma obra provoca opiniões diversas - uns gostam, outros nem tanto - e tudo é falado, debatido e esquecido horas depois. Com os livros é um pouco diferente. O prazer da leitura costuma ser silencioso, misterioso, solitário e sólido. Talvez, por isso, mais intenso. Podemos tocar, manusear o livro, saborear cada palavra, cada página, pensar naquilo que o autor escreveu, e usando o tempo que cada um de nós necessita para refletir sobre as suas idéias. Puro deleite. E sem aquela sôfrega e exibicionista necessidade que temos de expor nossas opiniões ao grupo sobre o que acabamos de VER (um filme, uma peça), e em alto e bom som para que todos ouçam (e digam: "ai como você é chata!"). LER não é igual a VER ou OUVIR.
Talvez por isso eu tenha experimentado uma sensação diferente durante a FLIP - a Festa Literária de Parati - quando o genial e recluso J.M. Coetzee começou a ler para um grupo calculado em 2.600 privilegiadas pessoas (nas duas salas - a dos autores e a do telão da praça da Matriz) alguns contos selecionados por ele do seu mais recente livro, Diário de Um Ano Ruim, a ser lançado até o final do ano no Brasil. Foi uma leitura impecável, precisa, perfeita. A platéia - embora frustrada por não poder debater com o autor (por exigência dele), ouvia atentamente saboreando e segurando cada palavra no ar para que elas não escapassem daquele espaço coberto por um toldo de pano. E cada ser humano naquele momento, tenho certeza, apesar de integrar um coletivo de centenas de pessoas, sentadas lado a lado, tinha a sensação de estar em casa, na sua poltrona, apenas na companhia daquele som, daquelas palavras. OUVINDO Coetzee. Mesmo quando ele fez aquele longo silêncio, à espera de que o alarme do carro na rua parasse de interromper suas palavras.
Talvez pelo modo como autor nos fez ouvir, pelo mistério que envolve sua vida pessoal, pelo seu peso no mundo literário, enfim, seja lá o que contribuiu para essa mística leitura, ela teve uma importância particular. Não posso dizer que tenha testemunhado esse mesmo comportamento solene da platéia durante a leitura de outros autores, mais carismáticos e igualmente talentosos. A sul-africana Nadine Gordimer chegou bem perto disso com um capítulo de seu novo livro, De Volta à Vida, mas para mim, em especial, porque o tema me toca de forma particular. Guilllermo Arriaga, o roteirista de 21 Gramas, Amores Brutos e Babel, é outro que me seduziu. Talvez por ser latino e pelo drama pessoal (desde os 13 anos ele não tem olfato, vítima de uma violência praticada por um bando de adolescentes). Lawrence Wright, o jornalista e autor de O Vulto das Torres, um de meus livros preferidos deste ano, por sua vez, precisou enfrentar um histriônico, parcial e deselegante Robert Fisk. (Em tempo, gosto muito do que Fisk escreve e admiro sua coragem na defesa do Oriente Médio em seus artigos). Mas nenhum desses escritores arrebatou tanto e tanta gente ao mesmo tempo como Coetzee, o mesmo que não quis debater, não quis responder às perguntas do público, detesta fotos, nao fala de sua vida pessoal e escreve com precisão cirúrgica. São grandes os mistérios da literatura.

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