segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tudo pela cultura

Domingo sombrio e úmido em Porto Alegre. Dia ótimo para ficar na cama até tarde e fazer tudo preguiçosamente pela casa. Mas eu tinha dois compromissos inadiáveis ontem. Um deles, era comprar os ingressos antecipados do festival de teatro Porto Alegre Em Cena, e que eu já tinha escolhido com cuidado na internet, e o outro era pegar um vôo rumo a Florianópolis, de volta para casa, depois de uma estada de 23 dias na casa de minha mãe.
Lá pelas 11h30 eu saí de casa e disse à mãe que não iria demorar, porque com aquele tempo, num domingo, garoa, frio, pouca gente seria tão determinada quanto eu para adquirir seus ingressos com antecedência de 10 dias, ainda mais no primeiro dia de venda. às vezes, é essa determinação que me salva. Dez minutos depois, às 11h40, desci do ônibus e avistei, de longe, em frente ao escritório da Secretaria de Turismo, no bairro Menino Deus, uma pequena fila, acho de uns 10 metros de comprimento. Umas 50 pessoas com seus guarda-chuvas se enfileiravam ali. Pensei: "Nossa! Será que tem tudo isso de gente para o teatro, ou esse povo está ali por alguma outra razão, um concurso público, talvez?". Deu a primeira opção.
Fui chegando e perguntando como estava a situação. Uma moça de óculos, na minha frente, me deu a sentença: "Eu não sei quantas pessoas têm lá dentro, mas minha amiga, que chegou aqui às 10h em ponto, me ligou agora dizendo que ainda ainda está na fila, e muito atrás ainda. Eles estimam uma espera de 3 a 4 horas aqui."
"Mas, como assim?" , perguntei espantada, "não são só essas pessoas aqui de fora, apanhando chuva, que formam a fila?" Obviamente que não. Seria muito bom se isso fosse verdade.
Fui verificar, e vi que havia centenas de pessoas numa outra aglomeração lá dentro, no local do estacionamento da Secretraria, e mesmo lá de dentro do estacionamento (escuro e úmido), as pessoas sequer enxergavam onde a fila acabava, dezenas de metros adiante, numa outra sala, à qual só fui ter acesso 3 horas e 10 minutos depois de ter chegado. Quando saí da garoa da rua e consegui entrar no estacionamento (sinal de status, naquele momento), contei. Havia pelo menos umas 400 pessoas na minha frente. E o pior, a fila não andava, apesar do 25 guichês funcionando (sendo três deles para atendimento preferencial). Isso porque as pessoas, na maioria das vezes, demoravam muito para se decidirem sobre o que ver, apesar do tempo na fila e do catálogo na mão para ajudar na escolha. Nem todo o mundo é objetivo. Além disso, cada um tinha direito a comprar para duas pessoas, e escolhiam pelo menos uns 10 espetáculos.
O sistema estava lento, a impressora idem. Perguntei a um dos organizadores, que passava de chimarrão na mão (por que os gaúchos carregam essa cuia para todos os cantos, meu Deus?), a razão dessa lentidão no atendimento, apesar dos 25 guichês operantes. Ele me deu uma resposta simples e objetiva: "É a chuva, quando chove, tudo fica mais lento, até a internet". Olhei para a moça loira e alta atrás de mim, com a mesma cara de espanto que ela fez ao ouvir a explicação. Rimos. "Certamente, os dados trafegam em cabos telefônicos, fibras ópticas e até por satélite, é possível que alguns deles tenham caído na valeta antes de chegarem aqui". Isso passou a ser motivo de piada na fila.
A sorte é que tinha levado o jornal de domingo (Folha de São Paulo) para ler. O jornal é meu fiel companheiro há anos, em salões de beleza, em filas de banco, de cinema, em restaurantes (quando almoço sozinha), em cafés. Aos poucos, como costuma acontecer em ocasiões como essas, as pessoas começaram a interagir, a perguntar sobre os interesses do festival, se era dança, drama, comédia, experimental, nacionais, estrangeiros. Quando finalmente cheguei no guichê, com dor nas costas, faminta, me sentindo úmida até na alma por causa daquele ambiente gelado e cimentado (um lugar horroroso!), consegui comprar meus 11 ingressos. O destaque foi a a companhia francesa Théâtre de Soleil, de Ariane Mnouchkine, Les Éphémères, com duração de 8 horas, e em dois atos, um dos mais esperados do festival, com estréia nacional em Porto Alegre nos dias 27, 28, 29 e 30/9. Depois segue para São Paulo. O festival Em Cena, coordenado por Luciano Alabarse (que está dirigindo Medéia, neste momento, na cidade), enfatiza os espetáculos do Cone Sul - especialmente Argentina e Uruguai e algumas montagens de vanguarda e de dança da Europa (serão 19 trabalhos da AL, Espanha, França, Alemanha e Japão). Mas, sem deixar de lado o bom teatro feito no Brasil e no Rio Grande do Sul. Ao lado de montagens uruguaias e argentinas, como os textos de Sarah Kane (4:48 Psicosis e Crave), teremos Pedra do Reino, Pret-à-Porter, Abre as Asas Sobre Nós (de meu amigo Roveri), Edmond .
Vai valer a pena ter esperado tanto tempo naquela fila. Quem quiser conferir o link da programação http://www2.portoalegre.rs.gov.br/poaemcena/